Sonhos com avião: relatos, motivos e possíveis significados

Sonhos sempre me intrigaram. Quando vou dormir, não raro fico tenso, achando que vou ter pesadelos (sofrendo por antecipação: sim). Mas quando, durante o sono, minha mente me brinda com imagens maravilhosas, aí é a glória! Meus sonhos têm até movimento de câmera — se é verdade, não sei, mas quando acordo e penso neles, vejo perfeitamente tal efeito cinematográfico. Bons ou ruins, os sonhos fazem parte da nossa vida. E com panicadas e panicados não seria diferente. O que será que o inconsciente de nossas leitoras e leitores andam produzindo por aí? Selecionamos aqui no rivotravel alguns relatos enviados em nossas redes sociais, sempre tendo como foco aqueles que envolvem aviões ou aeroportos. E tem de tudo: gente que vê avião caindo estando fora dele, com os pés no chão; avião que cai em cima de casa; gente sonhando com acidente enquanto está em pleno voo na vida real... Emoções fortes? Sim, mas calma que é só um sonho! Para jogar uma luz no que tudo isso pode significar, quem entra em cena logo após os relatos é a psicóloga comportamental com formação em fobia de voo Paola Casalecchi (clica aqui para o instagram dela), que tece algumas considerações especializadas.

Vamos então conferir as experiências oníricas de nossos leitores?

 
É cada sonho com aviões e acidentes, não é mesmo? Quais os motivos e possíveis significados? (foto: arte do editor do rivotravel com mockup da Graphic Google)

É cada sonho com aviões e acidentes, não é mesmo? Quais os motivos e possíveis significados? (foto: arte do editor do rivotravel com mockup da Graphic Google)

 

Sonhando com aviões

Eu tenho um sonho recorrente no qual eu vejo um avião grande cair, ao longe, com o fogo subir alto. Eu moro pertinho do aeroporto. O sonho é antigo, às vezes tem variações. Eu estou olhando o horizonte, aparece um avião e ele começa a falhar e cai, naquela cena cinematográfica. Às vezes ele cai se afastando, em outras ele cai se aproximando de mim. Não sei se há sobreviventes. Já cheguei a sonhar que corria para tentar ajudar os passageiros, já teve ocasião em que quase sentia o cheiro da fumaça, era impressionante. 

(Patrícia Moura, jornalista)

Eu sonho sempre com um avião caindo aqui no mar da praia de Boa Viagem, moro na altura do aeroporto (do Recife). Eu não estou dentro do avião mas vejo a queda do ponto de vista do piloto.

(Fernando Vasconcelos, designer gráfico)

Costumo sonhar pelo menos uma vez por semana com avião. Geralmente estou a bordo e a aeronave não tem força para decolar e acaba fazendo um pouso forçado em uma estrada. Mas um sonho que me marcou muito foi no dia que caiu o avião dos Mamonas Assassinas (banda paulista de sucesso nos anos 1990 cujos integrantes morreram em um desastre aéreo em 1996). Eu acho que eu estava dormindo e como minha mãe estava vendo TV eu ouvi dormindo e meu inconsciente elaborou. Eu sonhei que estava dentro do avião deles e eu sabia que ele iria cair, eu gritei pra tentar sair do avião e ele já estava taxiando. Fiquei apavorada e simulei um desmaio. Assim que simulei um desmaio a comissária pediu para o piloto abortar a decolagem e retornar para que eu desembarcasse e recebesse ajuda. Quando sai, fiquei olhando o avião retornando pra pista de decolagem e pensei: esse avião vai cair! Quando acordei minha mãe deu a notícia que o avião dos Mamonas havia realmente caído. Passei anos sem entrar em um avião depois disso porque foi bem real. Detalhe que nasci voando porque sou filha de piloto.

(Toalá Carolina, escritora e psicanalista)

Ha muitos anos morei atrás de uma aeroporto de cargas em Berlim, hoje desativado. Então na época aviões estavam constantemente nos meus sonhos por causa do barulho de pousos e decolagens durante a noite. O pior de todos foi quando sonhei que um avião desses errou a pista de pouso e desabou em cima do bairro, na área onde morava. Eu sobrevivi e saí dos escombros tentando resgatar o resto da minha vida. Foi aterrorizante. Um dos piores pesadelos da minha vida. Pouco tempo depois disso me mudei de lá pra uma área longe de aeroportos. 

(Carine Lago, antropóloga)

O que eu costumo sonhar muito são diversas situações nas quais vejo um avião caindo. Como estar em um aeroporto esperando o meu voo e logo começam a cair aviões na pista. Até na minha casa já sonhei, eu fugindo para um avião não cair em cima de mim. 

(Gabriela Otto)

Eu já sonhei, durante um voo, que o voo no qual eu estava naquele momento estava caindo. Eu estava viajando pela primeira vez sozinho para o exterior, e apesar de já ser relativamente “viajado”, o fato de estar sozinho e de estar indo a trabalho estava me deixando muito ansioso. No sonho que tive durante o voo eu estava sentado no mesmo lugar, usando a mesma roupa, tudo igual. Comecei a sentir que o avião estava fazendo força pra subir. Eu sentia a pressão do meu corpo contra a poltrona e conseguia ouvir os motores fazendo mais força que o comum. Senti que havia algo muito errado, nunca tinha passado por aquilo em um voo antes. Então eu comecei a perceber que as outras pessoas estavam tensas, algumas rezando baixinho, o barulho cada vez mais alto, a força da pressão do meu corpo contra a poltrona mais forte. Estávamos caindo e os esforços dos pilotos em fazer o avião subir não adiantavam. O terror de ter que aceitar que o avião estava caindo era avassalador. Eu achava que, antes de morrer, as pessoas aceitavam em paz o seu destino. Eu não estava em paz, estava com um medo do desconhecido tão grande que conseguia sentir o gosto da morte na minha garganta. Então, pela janela, eu vejo passando os topos dos prédios de alguma cidade, o avião estava mais baixo que os últimos andares desses prédios, dava até pra ver as pessoas olhando pela janela, assustadas, o avião que despencava em seu bairro. Então, um milésimo de segundo antes do avião bater no solo, eu acordei, dando um grito alto que ecoou pelo avião em silêncio, acordando algumas pessoas próximas a mim. Eu não conseguia me lembrar de ter dormido, a transição do mundo real para o sonho tinha acontecido tão suave quanto uma brisa morna de verão. 

(Heitor Menotti, editor)

Sonho sempre com aviões. Em 2010, decorrente de uma ansiedade exagerada, desenvolvi síndrome do pânico. Como estava próxima a realizar uma viagem para a Europa, associei imediatamente ao voo, à falta de controle que a gente experimenta ao voar e acabei tendo certeza que ia morrer nesse voo. Desde então, luto contra isso e certas aflições acabam parando nos sonhos, né? O mais comum é sonhar com um voo que eu tenho que pegar, mas nunca encontro o portão, não acho os documentos ou então o voo está terrivelmente atrasado. E eu fico sempre aflita porque são voos importantes, daqueles que a gente tem de embarcar, sabe? Sou muito organizada na minha vida e essa situação de não ter informações, de não encontrar o caminho ou não conseguir fazer algo programado me deixa muito aflita. 

(Ana Marcatto, bióloga)

Psicóloga faz considerações sobre sonhos

Interessante, não? Agora vamos ver as considerações da psicóloga entrevistada pelo rivotravel, Paola Casalecchi? Ela começa lembrando que a interpretação dos sonhos vem sido objeto de estudo desde 1899, quando os pioneiros na área, Sigmund Freud e Carl Jung, deram início ao reconhecimento de que conteúdos inconscientes manifestavam-se por meio dos sonhos. A partir de então, explica Paola, muito se investiga entre diversas linhas da psicologia, pois sabe-se que muitos conteúdos aparecem de forma simbólica no momento do sono.

“É importante esclarecer que cada caso é um caso e que não existe uma interpretação única para determinado tipo de sonho, porque cada pessoa é uma, com suas experiências e vivências, o que faz toda a diferença. Uma interpretação pode ser bastante rica dentro de um processo de psicoterapia no qual existe a união de aspectos vivenciais do indivíduo juntamente ao conteúdo de seu sonho, porém podemos aqui falar um pouco sobre isso, de uma maneira mais generalista para que seja possível compreender um pouco do mecanismo existente neste fenômeno”, diz a especialista.

E por que sonhamos tanto com aquilo que nos atormenta? “Muitos de nós temos um objeto de medo, no caso o avião ou algo que o inclua ali (tendo passado ou não por experiências), guardadinho no cantinho da memória, e como o medo é um braço da ansiedade, nos mantemos sempre em alerta sobre o assunto.”, observa Paola. Portanto, de modo inconsciente, estaríamos absorvendo em nosso cotidiano elementos que conformarão o que posteriormente emergirá sob a forma de sonhos? “Sem querer percebemos uma palavra, uma notícia ou qualquer coisa que nos faça pensar sobre o assunto. Neste momento a nossa mente cria um símbolo para este medo”, diz. 

“É muito provável que nos relatos de Heitor e de Toalá estes medos apareçam nos sonhos uma vez que são medos específicos possíveis de serem seus maiores fatores de apreensão, muitas vezes pelo avião e seus mecanismos serem desconhecidos. Isso faz com que a nossa mente crie cenas nas quais nos vemos fora de controle — o que para o ansioso é o pior cenário”, sinaliza a especialista. O rivotravel já notou que a sensação de falta de controle está no centro da aerofobia de muitos panicados. Lá em 2017, na primeira Entrevista com panicado do site, o depoimento da servidora pública Sandra Sobral reforça o argumento de Paola Casalecchi : “Dizem que isso (o medo de voar) acontece por uma série de fatores, mas, principalmente, porque sou muito ansiosa e gosto de ter sempre o controle das coisas”, afirmou Sandra na época.

Sobre o que desencadeia os temidos pesadelos, a psicóloga diz: “Quando temos um objeto ou situação de medo é muito comum que todo registro sobre o assunto fique armazenado em nossa memória, mesmo que de uma maneira pouco perceptível. Quando digo isso, quero dizer que talvez seja algo que não pensamos todos os dias, mas que em determinados momentos possam vir à consciência por um processo que chamamos de ‘gatilho’, que pode ser uma palavra relacionada ouvida que nos faz lembrar deste medo, uma cena de filme, uma data, como 11 de Setembro por exemplo, e que gera apreensão em muitos fóbicos pois os mecanismos da mente fazem com que a pessoa consiga automaticamente se imaginar naquela situação e sentir ansiedade. Ou como citado no sonho de Patrícia , Fernando e Carine, o som do decolar ou aterrisar do avião quando se mora próximo ao aeroporto pode ser o gatilho que nos lembrar da situação ameaçadora. E isso já nos traz vários pensamentos acerca do que para nós representa um perigo e então pode se manifestar em um sonho como projeção. Este processo pode ocorrer de forma inconsciente e surgir durante os sonhos”.

Em um conto publicado recentemente no rivotravel, escrevi sobre uma personagem que tem um sonho bastante peculiar com acidente aéreo e, posteriormente, na ocasião de um voo em sua vida real, várias situações que vão ocorrendo fazem emergir a lembrança desastrosa do sonho — os tais gatilhos referidos aqui pela psicóloga —, provocando o pânico. Sigo sem entender muito do assunto — criei o conto utilizando minha vivência pessoal e imaginação —, mas Paola ajuda a esclarecer: “É apenas uma situação corriqueira, aviões viajam todos os dias em perfeita segurança, porém são diversas as formas que a nossa mente organiza e reproduz estes conteúdos e podem nos trazer à consciência a ideia do que tanto tememos, até mesmo somente o pensar sobre uma viagem que se aproxima. Como pode ser o caso de Gabriela. Possivelmente pensar sobre a situação de precisar enfrentar um voo já traga a ela pensamentos catastróficos, o que é comum nos ansiosos fóbicos. Isso acaba se manifestando nos sonhos”, complementa.

Desta forma, continua a psicóloga, percebemos que possivelmente os relatos de sonhos como o que cita o episódio dos Mamonas Assassinas tenha também este tipo de gatilho. “Quando houve o ocorrido, o impacto para o fóbico ganha uma proporção muito maior do que para pessoas que não tem este medo específico. Assim fica registrado em sua memória e em alguns momentos podem refletir em seus sonhos. A comparação por eles citadas nos sonhos, como se verem apavorados enquanto os demais estão tranquilos também pode indicar um autojulgamento da não aceitação deste medo”, atesta Paola. “Quando dormimos, o nosso cérebro acessa conteúdos registrados em nossa memória (cognitiva e afetiva) e estes se reproduzem de forma ocasional ou frequentemente de forma simbólica, trazendo nossos medos e projeções — o que faz com que de alguma forma acreditemos que o sonho possa se tornar real".

Mas e aí, será que essas experiências oníricas servem apenas para nos assombrar? Ou será que podem servir de algum modo como ajuda? “É muito importante entendermos que o sonho apenas projeta sensações, temores e em alguns casos desejos, mas que são apenas uma manifestação de processos cognitivos, de pensamentos e sensações que precisam ser elaborados para que deixem de ser um pesadelo e que estas situações de medo possam ser compreendidas da melhor forma possível com a ajuda de um profissional capacitado”, conclui a especialista convidada.

E os meus sonhos? Vocês devem estar se perguntando. Eu também costumava sonhar muito com avião caindo! Era sempre a mesma coisa: eu olhando de fora, em solo, enquanto o avião caia “em marcha ré” (sabe quando, antigamente, rebobinávamos uma fita cassete? Pois era assim o meu sonho analógico). Mas já tem alguns anos que, graças a Jah, essa imagem não povoa mais meu sono. Seria o começo de uma melhora gradual em minha aerofobia? Freud explica.