O que esperar quando você está esperando (um voo)? – Parte 02
Vamos agora com a segunda e última parte da matéria sobre o que se passa nas mentes e corações dos panicados antes do voo, ou seja, antes do avião decolar. Muita gente que “ olha de fora” acha que ter medo de avião é ter pânico (apenas) do voo em si. Mas não! Sabemos que as pernas começam a ficar bambas e as mãos suadas muito antes disso. A primeira parte que foi publicada no mês anterior (e você pode ler aqui) conta como quatro viajantes que odeiam voar (Cristal, Maiara, Késsia e Regina) ficam nos dias que antecedem o voo, desde a compra da passagem até a ida ao aeroporto — agora vamos contar como elas se comportam uma vez que chegam lá. Toda aquela via crucis entre entrar no terminal até o momento de desgrudar os pés (e o corpo) do solo — e nessas horas a alma parece ficar em terra firme. E dessa vez quem se junta às quatro entrevistadas é uma quinta panicada: a dentista Monalisa Lessa, que não apareceu na primeira parte da matéria. Ela é “sortuda”, pois o medo só bate quando já está prestes a entrar na aeronave. Vamos continuar com a saga das cinco mulheres.
O que cada etapa de uma viagem aérea reserva para quem tem medo de voar?
5. NO AEROPORTO (CHECK-IN, SEGURANÇA, RAIO X ETC)
A dor de barriga da publicitária baiana Cristal Filgueiras, que começou lá na primeira parte desta série, ou seja, indo para o aeroporto, ainda está firme e forte — e o banheiro é o melhor amigo da viajante. Quem também sofre horrores é a jornalista paulistana Regina de Sá. “Quando chega no raio-X, torço para que o sensor não apite, pois sempre fico agoniada com isso. Nessa hora, minha mão começa a ficar molhada, como se eu tivesse levando alguma coisa suspeita. Que nada, eu sou a ‘coisa’ medrosa que vai embarcar. Olha só o perigo”, conta, entre risos (de nervoso, talvez).
A psicóloga paulista Maiara Correa conta que quando chega no aeroporto é o momento que “a ficha cai”. “É um misto de sensações, e nenhuma delas é agradável. Não tenho lembranças agradáveis no aeroporto. Não que as experiências sejam ruins, nunca passei por um perrengue grande, mas eu digo emocionalmente e fisicamente falando, pela ansiedade. Eu fico muito apreensiva”. Ela sempre viaja com o marido, que é super companheiro de Maiara e tenta ajudar da melhor maneira que consegue. Ela nunca desistiu de um voo, mas em todas as viagens que já fez tem sempre um desejo súbito de sair correndo, de jogar tudo pro ar, no melhor estilo: “vou embora pra minha casa, quero minha cama, meu travesseiro”. “Se eu estivesse sozinha talvez eu tivesse desistido em algum momento. Como nunca viajei sozinha, sempre fui acompanhada de meu marido, eu consigo racionalizar, (tipo) ‘não tô sozinha, é o sonho de outra pessoa também’, então consigo ter esse momento de me questionar. Mas acredito que se fosse sozinha não sei se embarcaria, talvez já tivesse desistido de algum voo”, relata.
6. NA SALA DE EMBARQUE
Nesse ponto, a ansiedade da gerente de projetos mineira Késsia Vieira está a mil. “No meu último voo foi terrível, senti que estava tendo uma crise na sala de embarque, dificuldade de respirar e uma leve dor no peito. Os exercícios de respiração que minha psicóloga passou ajudaram bastante. Pra piorar, após o embarque já ter sido iniciado, o voo foi cancelado, todo mundo teve que sair da aeronave, o que triplicou o nervosismo”, relembra. E nessa hora, quem é visitante íntima do sanitário é Regina. “Na sala de embarque, vou mil vezes ao banheiro, para não ter que me levantar no avião e entrar naquele banheiro que me dá mais medo do que o próprio avião”, conta. Ansiedade também parece ser o sobrenome de Maiara. Ela evita ao máximo olhar para a aeronave pelas janelas de vidro que costumam ser instaladas no local. “Se olhar vou ficar gerando pensamentos, (do tipo) ‘será que essas pessoas que estão cuidando do avião, do voo que vou fazer, será que estão bem, estão equilibradas, dormiram bem, estão passando por algum problema pessoal, algum problema de saúde? Fico pensando: será que isso vai impactar no voo? Minha cabeça tem um potencial de desdobramentos muito grande”, diz.
Késsia no aeroporto de Heathrow, em Londres, aguardando check-in pra voltar para o Brasil (2024), com a filha no colo
7. NO EMBARQUE PROPRIAMENTE DITO (FILAS, FINGER – OU ÔNIBUS – QUE LEVA DO TERMINAL AO AVIÃO, ENTRANDO NA AERONAVE, ARRUMANDO A MALA NO BAGAGEIRO):
Nem todo mundo tem medo o tempo todo. É o caso da dentista Monalisa Lessa, cujos sintomas do pânico de voar só começam nessa fase da viagem. “(Na hora do embarque) começo a suar frio e a pensar na caixa-preta do avião se ele for encontrado na Mata Atlântica, bem como os personagens da Turma da Mônica no meio dos destroços”, diz, citando a pintura de algumas aeronaves da Gol com os famosos desenhos de Mauricio de Sousa na fuselagem. Quem também faz muitos questionamentos, tal qual Maiara na hora de embarque, é Késsia. “O caminho no finger é a sensação de estar caminhando para a morte, ainda mais quando a fila anda devagar e eu fico parada ali logo próximo à porta do avião. Horrível, vários pensamentos que chegam, do tipo: será que os comissários vão fechar essa porta direito? Essa turbina, será que está funcionando bem direitinho?”, relata.
Mas não pensem que Maiara deixou as indagações do lado de fora da aeronave. Para a psicóloga, esse momento é um dos mais desafiadores, mais até que a própria decolagem, porque nesse momento ela sente que selou o destino. Quando a tripulação fecha a porta, então, é a sentença final, não tem pra onde correr. Ela fica vendo as demais pessoas a bordo, todas tão “normais”, arrumando as coisas, se organizando, colocando os fones de ouvido, ligando a tela do entretenimento para ver alguma coisa, e fica pensando como gostaria de ser assim também, estar curtindo o momento. Uma viagem que marcou bastante foi a que fez para o Japão. No avião, tinha um grupo de brasileiras que estava viajando e estavam cogitando desistir daquela viagem. “Me deu um mimi pânico. Sabe as histórias dos aviões que caem, que sempre tem uma pessoa que atrasou? Um que desistiu? Eu fiquei pensando: elas vão desistir e depois vão dar entrevista no Fantástico”, imagina a paulista.
Regina com cara e sensação de dever cumprido logo que o avião pousou em Salvador, em 2016
8. SENTADA ESPERANDO A DECOLAGEM COM O AVIÃO PARADO:
Nesse ponto, o medo de Monalisa já está instalado: “Fico suando frio, segurando a mão do meu marido, pensando se tudo que fiz na vida valeu a pena até aqui, e que o lado de lá deve ser bom”, cogita Monalisa. Nessa hora, todos os panicados e panicadas estão unidos em seus sofrimentos individuais. “Eu evito muito ver as instruções de emergência porque elas me deixam mais nervosa”, conta a publicitária Cristal. Enquanto espera a decolagem, a jornalista Regina foca as atenções nas crianças. “Eu me concentro nelas. Se estão fazendo barulho, se estão dando trabalho, se divertindo. Gosto muito de sentar na frente, porque é o local mais agitado. Eu não me importo com o barulho das crianças, pois elas me distraem. Outra coisa que faço, quando tinha coragem, claro, era me levantar e ficar papeando com a equipe de voo. Contava minhas agonias. Atualmente, o pessoal está mais ‘fechado’, não gosta de papear muito”, ressalta a jornalista.
Já Késsia evita olhar muito para as pessoas a bordo. O motivo? “Sempre chegam pensamentos do tipo 'essas pessoas vão morrer hoje também'. São pensamentos terríveis, eu sei. Depois do pouso, fico rindo de mim mesma. Mas, por outro lado, também gosto de olhar pra elas, porque vejo que a maioria está super tranquila, conversando, trabalhando, rindo, então eu penso 'se todo mundo tá tranquilo, é porque está tudo bem, eu também deveria estar’. Enfim, um paradoxo maluco”, conta Késsia.
Maiara com marido, no voo Nova York – Tóquio, em março de 2025
9. SENTADA ESPERANDO A DECOLAGEM COM O AVIÃO EM MOVIMENTO, SE ENCAMINHANDO PARA A DECOLAGEM
Maiara, a essa altura, é puro nervosismo. Ela conta que a hora que o avião está taxiando – ou seja, indo para a pista de decolagem – é um dos piores momentos. Sobretudo por conta dos sons que o avião normalmente faz. “Sinto que eu perco um pouco a vergonha de expressar o meu medo. Aperto o banco da frente, sacudo. A pessoa da frente deve até se sentir incomodada, mas ninguém nunca reclamou. Teve um voo que fiz para Natal, tinha uma senhora do meu lado, eu não a conhecia nem estava conversando com ela. Eu agarrei a mão dessa senhora, apertei, coitada. Depois fiquei constrangida. Ela foi uma querida, simpática, conversamos. Foi muito acolhedora”, conta.
“Tirando a própria decolagem (que eu sempre tenho certeza de que o piloto não vai conseguir subir a aeronave e vamos cair em seguida), esse é o pior momento pra mim”, afirma Késsia. Ela diz que, enquanto o avião está se encaminhando para a decolagem, o foco também é controlar a respiração. “Me agarro à mão de quem estiver do meu lado e começo a orar”.
Isso de pegar na mão da pessoa ao lado é de praxe, muitos e muitas panicadas fazem isso. E nessas horas é bom encontrar uma pessoa que não só aceite o contato do estranho em crise como acolha a pessoa companheira de voo e que precisa de um apoio.
E pensar que o voo nem começou…
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Esta foi a segunda e última parte da série "O que esperar quando você está esperando (um voo)?”. Para ler a primeira parte, é só clicar no botão abaixo. Até lá.