O que esperar quando você está esperando (um voo)? – Parte 01

O medo de voar não começa só quando o avião decola. Pelo contrário. Para muitas pessoas que sofrem de aerofobia, o pavor aparece já no planejamento da viagem, na hora de comprar as passagens. A ideia dessa matéria nasceu das mensagens que recebo perguntando se tais sensações (ansiedade, dor de barriga etc.) são comuns em panicados quando estão esperando um voo. A resposta, como poderão ver aqui, é afirmativa. Não estamos sozinhos, como não me canso de repetir. Eu mesmo neste exato momento estou escrevendo essas linhas e mordendo a parte interna do lábio, pois viajo em quinze dias para Brasília, para o casamento de uma sobrinha. Eu me conheço e sei que isso é “normal” para essa fase, já é esperado. Cada momento antes do voo tem suas peculiaridades, e são idiossincráticas, mudam de acordo com o passageiro. Resolvemos dividir o texto em duas partes para facilitar a leitura — a segunda parte entra no ar no dia 9 de julho.

 

O que cada etapa de uma viagem aérea reserva para quem tem medo de voar?

 

A inspiração para esse texto surgiu meio que do nada, quando lembrei de “O que esperar quando você está esperando”, um livro clássico que fala de gestação, parto e cuidados com o bebê. E o que as pessoas que têm horror a aeronaves sentem quando estão esperando não por um neném, mas por uma viagem aérea? Pois vamos conferir abaixo, a partir das respostas dadas por panicadas para as diversas etapas dessa “gravidez”. Uma aflição que também pode durar vários meses, a depender da antecedência da compra do bilhete aéreo. Vamos acompanhar o relato de quatro viajantes, além de uma quinta personagem que só vai entrar na história mais adiante, na parte dois desta matéria, pois o medo nela só aparece aos 48 minutos do segundo tempo (abençoada).

O objetivo não é deixar ninguém em pânico. Quando nos reconhecemos no outro, vemos que nossos medos são reais e que não são “besteira” ou “fraqueza". A aviação é super segura, como bem sabemos, mas nossas mentes parecem enganar a gente. A aerofobia existe e tem várias fases, cada qual no seu próprio momento. Será que você se identifica com algum dos depoimentos abaixo?

  1. Na hora da compra e logo após a aquisição da passagem:

“(Sinto) uma ansiedade forte na hora da compra. Muitas vezes fico adiando, como se fosse possível evitar. O que não faz sentido porque eu quero viajar”, afirma a publicitária baiana Cristal Filgueiras. O relato dela encontra eco na fala da jornalista paulistana Regina de Sá, para quem é sempre uma vitória conseguir chegar a esse estágio, ou seja, a compra da passagem. Ela acredita que para muitas pessoas, a mais importante é achar os valores mais em conta, muitas vezes nem se importando se há escalas ou conexões. O que importa é conseguir um preço bacana. “Para o panicado, as questões envolvem outras variáveis. Por exemplo: o tempo, mas não o tempo de voo e sim se naquele dia vai estar chovendo, se a região é famosa por conta das turbulências, se a pista é curta, até isso eu já chequei”, conta Regina.

 

Cristal Filgueiras no aeroporto de Heathrow, em Londres, em 2023: quem vê a cara de plenitude não desconfia do medo de voar da publicitária

 

Para a gerente de projetos mineira Késsia Vieira, o momento de “bater o martelo”é sempre envolto por muita apreensão, por conta do medo de não escolher o que ela chama de “melhor voo possível”. “O que me gera mil perguntas enquanto estou comprando: será que o horário que estou escolhendo é o mais seguro? O piloto estará descansado? Esse é um horário que costuma ter atrasos e cancelamentos?”, diz, acrescentando que sempre consulta o aplicativo FlightAware – que oferece diversas informações sobre voos e aeronaves – para obter estes dois últimos dados.

Questionamentos similares são feitos pela psicóloga paulista Maiara Correa. Aliás, para ela, é preciso fazer um adendo. Em sua profissão, ela trabalha com transtornos ansiosos, inclusive já atendeu pessoas com medo de voar — e ela também sofre do mesmo mal. “É interessante quebrar um paradigma segundo o qual psicólogos são bem resolvidos, não têm vulnerabilidade. Nós temos, sim, e um dos meus medos é andar de avião”, conta. Mas graças à terapia ela já conseguiu ir longe (literalmente): para o Japão, que parece ser o maior desafio para qualquer panicado, pela distância, pelo alto número de horas voando e por geralmente incluir grande parte do trecho sobre o oceano Pacífico, a depender do ponto de conexão – não há voos diretos do Brasil para lá.

Mas vamos voltar ao momento da compra da passagem. Maiara fica sempre encarando a tela do computador ou do celular, se indagando: “Será que é realmente este, é esse o voo, será que o destino está me mandando para um voo que vai cair?”. São esses os pensamentos negativos que envolvem a psicóloga, como se tivesse que tomar uma decisão ideal. E depois que compra a passagem tem sempre a vívida impressão de que “é isso, selei meu destino”. “Sensação muito doida que tenho e obviamente vem com sintomas clássicos da ansiedade, coração acelerado, aquela indagação, ‘será que é isso mesmo? Será que fiz a escolha certa?’”, pontua.

2. Nos meses/semanas que antecedem o voo:

Para Cristal e Késsia, esse é um momento mais tranquilo, sem grandes sobressaltos. Mas para Maiara e Regina, as coisas nem sempre são muito fáceis. Maiara até que lida razoavelmente bem, entrando em um estado de “negação funcional”, no qual ela busca não alimentar certos pensamentos, optando por postergar o medo para o momento do embarque. “E, obviamente, nesse período todo eu evito todo e qualquer assunto sobre avião. Se o YouTube me sugere um vídeo de um canal que fala sobre acidente aéreo, aí eu não quero nem saber, passo rapidinho, senão a cabeça começa a gerar pensamentos disfuncionais, pensar que é presságio, que é aviso, que é melhor não ir, então procuro não alimentar esse tipo de pensamento”, conta a psicóloga.

 

Késsia Vieira em Roma, em 2013, em viagem que fez durante intercâmbio na Europa. “Nessa época não tinha o menor medo de voar, viajava de Ryanair pra lá e pra cá”, diz, citando a companhia aérea low cost amada e odiada pelos passageiros

 

Já para a jornalista paulistana, essa espera parece ser um pouco mais angustiante. Começa com a mão suando do nada. “É uma sensação horrível. A partir da decisão (de voar), começo a olhar os sites como Climatempo ou perguntar para a (inteligência artificial controlada por voz) Alexa: ‘Alexa, vai chover esta semana em tal lugar?’. No final de 2024, fui para Belo Horizonte e, embora estivesse muito calor, eu ficava querendo saber se o clima ia mudar. É muito doido isso. Que diferença faz isso? Eu sei que não é racional, mas, por mais que eu tente interferir no meu emocional, não adianta”, afirma a panicada.   

3. Na véspera e noite da véspera do voo:

Essa etapa da viagem, que sequer começou, já é sofrida para muitas e muitas pessoas. Quem é mãe sabe que o dia que antecede o voo é sempre agitado: “Normalmente estou na correria para fazer as minhas malas e da minha filha, então não dá muito tempo para pensar em coisa ruim”, afirma Késsia, provando que a máxima “mente vazia, oficina do panicado” é real. Já Regina, que não tirava o olho do site Climatempo, resolve romper de vez com o serviço meteorológico. “Na véspera, sempre fico apreensiva e imaginando mil situações de como será o voo, quem vai se sentar ao meu lado, se vai dar tudo certo etc. Evito ver qualquer coisa sobre a situação do tempo, para não me estressar”, conta.
E já que estamos falando sobre a véspera do voo, como fica o sono de nossas panicadas entrevistadas para esta matéria? “(Sinto) muita dificuldade para dormir. Normalmente tenho pesadelos que (depois) eu fico tentando interpretar para ver se são ‘um aviso’. De quê, eu não sei”, relata Cristal. A situação é pior para Maiara. “Eu não durmo, nenhuma vez que eu andei de avião eu dormi na noite anterior, fico a noite inteira acordada, muito ansiosa, uma sensação de náusea , como se meu corpo tivesse o tempo inteiro ativado, com medo, então fico suando mesmo que esteja frio”, diz.

 

Maiara e o marido, com o Monte Fuji (Japão) ao fundo, em março de 2025: uma panicada que chegou longe

 

Maiara, na véspera dos voos, fica com coração acelerado, perde o apetite, a ponto de ter dificuldade de se alimentar. Quando cai a ficha de que no dia seguinte vai viajar de avião, aí as coisas ficam bem mais difíceis para a paulista, o medo começa a aflorar em sua forma mais intensa. “Tenho pensamentos específicos, tento lidar, mas são muito desafiadores. É uma sensação muito desagradável, de que estou me despedindo das coisas, (pensando) ‘ah, é a minha última noite, minha última noite abraçando meu travesseiro. Será que vou ver minha cama de novo, comer minha comidinha de novo?”, exemplifica a psicóloga.

4. Indo para o aeroporto:

Os sintomas físicos aumentam nessa hora, de acordo com nossas panicadas. “(Sinto) dor de barriga. Eu normalmente tenho o intestino preso, mas ele fica mais solto no dia (da viagem). Sempre faço cocô antes de entrar no avião. Não por vontade própria, mas porque vem uma vontade forte”, relata Cristal. Quem também se vê às voltas com os caprichos do intestino é Késsia. “O pior começa aqui. Me arrumando pra sair de casa e no caminho pro aeroporto sempre tenho dor de barriga, causada pela ansiedade. Meu humor muda, não consigo conversar muito e a tensão só vai aumentando”, diz a gerente de projetos. Ela diz que o sentimento nessa hora é o de que não deveria estar indo viajar – e já começa a sofrer pensando no quanto estará ansiosa no momento da decolagem. 

Maiara não fica atrás no quesito “o corpo fala”. Sente muita náusea, o apetite desce a níveis abissais. “(Sinto) muito tremor, a sensação que tenho não é a de que estou indo viajar, parece que estou indo pra um campo de guerra, um lugar horrível, coração a mil por hora, mãos suando”, afirma. A ida ao aeroporto também não é fácil para Regina, que nessa hora sempre é acometida por uma dúvida: será melhor chegar mais cedo ou em cima da hora? “Sempre vou mais cedo, para ficar olhando os pousos e decolagens. (E pensando): ‘Aí, Regina, tá vendo aí? Tá todo mundo viajando, para lá e para cá. Para de ser doida, criatura. Vai dar tudo certo’”, conta a jornalista.

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Pensam que a saga das panicadas acabou? A partir daí é que o “bicho pega”. No dia 9 de julho postaremos a segunda parte desta matéria. Até lá.

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