Viajei: SOCORRO — Brasília-DF 2025: Voo de ida e volta

Mais uma viagem, mais um relato de voo que compartilho com vocês. Como de costume, falarei tanto dos momentos que antecedem a viagem quanto do voo propriamente dito. Vem comigo? Falarei sobre os voos entre Salvador–Brasília, ida e volta. Quem me acompanha no Instagram pode ver também o vídeo de review com minha experiência panicada registrada ao vivo. Começo a gravar no aeroporto e termino quando ponho os pés pra fora do avião.

 
 

Véspera da viagem

O voo para a capital do país, para o casamento de uma sobrinha, começou péssimo dias antes do embarque, com a notícia do avião da Índia. Dor de barriga na hora. Foi a mesma coisa com o avião do time da Chapecoense, pois voei dois dias depois da tragédia. Algumas pessoas ficam aliviadas, dizendo “dois voos não caem tão perto assim um do outro”. Acho que não sou uma delas. Meu marido chega perguntando por detalhes do acidente indiano. “Não sei e nem quero saber”, respondo, grosso! Minutos depois um amigo liga pra falar sobre o mesmo tema: mudo logo de assunto. Não li nada mais aprofundado, só de ver o vídeo que acompanhava todas as matérias já sentia calafrios.

Nesse mesmo dia, descubro que parte da família vai pegar os mesmos voos de ida e volta a Brasília. Começo a suar frio. Sempre há essas histórias, né? Família morre em acidente. Melhor não pensar nisso. Mando mensagem para o dono do apartamento que alugamos pelo Airbnb. Ele pergunta que horas vamos chegar. “Depende da hora que pousará o avião”, respondo. Uma sensação ruim toma conta de mim. E se não pousar?

A Latam mandando mil e-mails: “reserve seu assento”. Mas eu já reservei! Ou não? Ah, mandaram por WhatsApp também.  Vou checar. Já reservei na compra. Isso só gerou mais e mais estresse em mim. Não era pra ser inteligente esse sistema robotizado?

Sempre tento evitar pendências nos dias anteriores, mas falho. Meu marido corre para levar um casaco para a lavanderia na véspera. Vai dar tempo? Quanto estresse.

Tudo lembra ele, o aeroporto. Vejo notícia de que o Congresso Nacional fez uma homenagem à Mãe Stella de Oxossi. Aí lembrei que a Avenida Mãe Stella de Oxossi, com direito a uma enorme estátua dela, começa justo do lado do aeroporto de Salvador. Juro que senti o intestino embrulhar. Pode parecer uma bobagem, mas qualquer coisa pequena já pode ser gatilho emocional para um panicado. Me dou conta de que o voo da ida é em uma quinta-feira, dia de feriado de Corpus Christi. Pior: feriadão. Voos lotados? Oh God.

Fico de começar a separar as coisas da mala na segunda-feira (detalhe, viagem de apenas cinco dias). Para não fazer em cima da hora e me dar ansiedade. Resultado? No domingo, na véspera do dia estipulado, estou como? Ansioso. Ô, praga.

Que livro levar? Nada muito denso nem cabeça, nem teórico, nem problematizador.

Pego Ao Farol, de Virginia Woolf, que comecei em 2014 e achei insuportável. Não sei se é um bom livro para uma viagem. Na verdade, pouco importa, pois não consigo ler direito num voo, em parte pela tensão, em parte pela groguência causada pelo remedinho. Acho que vou levar a biografia da cantora lírica Maria Callas.

Fazendo mala: muito nervoso. Ríspido com meu marido. Peço desculpas.

Tenho de resolver algumas coisas na rua. No meio das tarefas, paro em uma cafeteria. Ela tem cheiro de avião. Sabe cheiro de avião? Pois ela tinha esse cheiro. Meu Deus, tudo me faz lembrar dele, do meu objeto de pavor… Volto pra casa. Vou lavar os pratos, largo na metade. Vou ler, nem abro o livro. Escrever? Nem pensar. Pensamento voa (voa? Credo). Tudo que consigo é fazer notas no celular pra me lembrar mais tarde.

Véspera do voo é dia de arrumar mala. Faço uma lista no papel e vou riscando o que já está arrumado. Isso me acalma, saber que não esquecerei de nada. E o dia passou curiosamente bem, nem pensei muito em voar, pois estava ocupado, obsessivo com a enorme quantidade de coisas que precisava em uma viagem de cinco dias. E talvez a alegria da viagem com família tenha diminuído um pouquinho a ansiedade. Além de, é claro, do motivo da viagem, ver minha sobrinha amada casando.

Indo para Brasília

Chega o dia de viagem. Meu marido vai dirigindo o carro, claro, pois eu já estou medicado há horas — e a ansiedade que não deu muito as caras na véspera chegou com tudo. No check-in e despacho de bagagem, estresse, claro. Minha mãe tem 85 anos e dificuldade de locomoção. A atendente que organiza a fila prontamente nos coloca em primeiro lugar da única e longa fila de prioridades (a Latam considera que passageiros com mais de 80 anos devem ser atendidos logo). Reclamações na fila. Não tenho força mental nem habilidades de fala (que já estava bem embolada) para responder a ninguém. Deixe que digam, que pensem, que falem, como diz a música.

No portão de embarque encontro amigos da família indo para o casamento no mesmo voo, além de outros dois amigos que também iam viajar no mesmo avião, porém para pegar conexões em Brasília. Isso me deixou mais alegre, conversando, rindo (sim, foi possível). Encontrei até uma leitora panicada do rivotravel.

 

Foto meio fora de foco reflete a confusão mental de meu ser no aeroporto de Salvador, prestes a embarcar no avião

 

Lá fora, chove. Não gosto disso. Pelo menos não era chuva torrencial.

Embarco. Já estou usando os abafadores de ruído que uma amiga trouxe para mim da Alemanha. EU AMEI! Me deixaram bem mais tranquila, todos aqueles sons do avião me deixam agoniado e senti que nessa primeira viagem com eles eu lidei melhor com o medo, sobretudo na decolagem, o momento mais tenso para mim. Para quem tem amigos na Europa e tenha interesse, a marca é a Loop.

Minha mãe? Estava dormindo antes mesmo da decolagem. Inveja.

E a “querida” sentada do meu lado (eu com 1,87 metro e 108 quilos espremido na poltrona do meio)? Tirou da bolsa um enorme pote de Cup Noodles, aquele macarrão instantâneo. Pois a adolescente não se fez de rogada: pediu água quente e um talher para a aeromoça. E começou sua “saudável”refeição. Pense no cheiro enjoativo que ficou impregnado na cabine.

O voo foi rápido (menos de duas horas) e até que foi tranquilo, graças ao remédio, claro.

VOLTANDO PARA SALVADOR

Em Brasília, foi tudo lindo, maravilhoso. Viajar em família é sempre bom demais. E eu amo a capital brasileira. O casamento? Chorei horrores, conversei horrores, comi horrores, bebi horrores.

Mas tudo que é bom acaba.

E o começo do fim iniciou-se mal. Uma de minhas irmãs voltou já no domingo para Salvador. O voo dela, o da Latam das 15h15, seria o mesmo que eu, meu marido, minha mãe e um sobrinho pegaríamos na segunda. Só que o voo de minha irmã deu problema, precisou voltar duas vezes ao terminal para reparos. A companhia não disse o que era. Já fiquei aflito. Corri logo para o aplicativo (gratuito) FlightRadar24 para saber a matrícula do avião problemático — matrícula é como a “certidão de nascimento”da aeronave, pois cada uma possui a sua. A do domingo, que deu problema, era o PR-XBO. Na mesma hora fui checar o avião que a Latam programou para o dia seguinte (o nosso): PR-TQB. Ufa. Mudariam de avião. Mas guardem essa informação.

De domingo para segunda, tenho pesadelos. Um cenário apocalíptico, de fim de mundo. Vários aviões caindo em um céu cor de fogo. Acordei aflito, claro.

Como sairíamos para o aeroporto só ao meio-dia, deixamos para arrumar tudo de manhã. Agonia de juntar e guardar as coisas de última hora. Tomo um remedinho.

No aeroporto, grogue, na hora de despachar a mala no check-in, noto que o revestimento externo está quebrado. Penso: “última viagem dela”. “Nãããão! Última, não”. Falar que é a última parece que o avião vai, bem, vocês entenderam. Digamos que provavelmente a guerreira será aposentada agora que já estava. Vivíssima em Salvador.

“Ah, o cartão de crédito dá direito a sala VIP”. Por que fui dizer isso? O povo se animou. Pra logo se frustrar. Tinha de cada um baixar um aplicativo no celular, preencher dados, criar uma conta, receber um código verificador por e-mail (que nunca chegou). Um inferno, sala Hell, isso sim. Falei: “gente, vamos desistir, muito complicado isso aqui”.

 

Apreciando a vista dentro do aeroporto de Brasília. Sou panicado, sim, mas adoro aviões. Uma relação de amor e ódio

 

E sabem a história que contei acima, sobre a matrícula do avião? Fui caminhando para o portão de embarque e resolvi chegar no aplicativo. O avião mudou, seria a mesma aeronave “com defeito”do dia anterior. Já fiquei uma pilha. O alento foi que conseguimos a primeira fileira, que eu amo (e você pode ler aqui) – a Latam simplesmente faz um leilão para as primeiras poltronas, que ela chama de Premium Economy. E você só fica sabendo do resultado, se o seu lance foi maior que os outros, pouco antes do embarque. Horrível isso.

E a garota do Cup Noodles? Olha ela lá na fila para entrar na aeronave! Graças a Deus que sou jornalista e fui apurar (ou seja, fiquei de butuca ouvindo a conversa dela com a comissária e descobri que ela ia viajar lá no fundo da aeronave. Ufa! E ela, querendo me ultrapassar na fila que se forma no finger (o corredor de acesso à porta do avião)? Claro que dei uma “fechada” nela. Que adolescente inconveniente!

Embarcamos. Agora a celeuma é outra. No pouso em Brasília, parte dos coletes salva-vidas, que ficam embaixo dos assentos, se desprendeu e foi parar no chão – sentar-se na primeira fila tem essa desvantagem de ouvir toda a conversa dos profissionais da companhia aérea. A equipe técnica teve de entrar para arrumar tudo. E eu aflito, só querendo que aquilo terminasse logo.

Tudo pronto, o avião sai do terminal – e não volta, bom sinal. O ruim é que a pista de decolagem é “lá na casa do chapéu”, longos e longos minutos para chegar até o ponto do início de meu maior medo: a corrida para desgrudar do chão.

Já no voo, acesso o sistema de entretenimento da Latam. No celular, claro, que ninguém mais quer gastar com telas individuais. Tentei ver Nosferatu (a versão de 2024). Não rolou. A tela celular é muito pequena e esse filme merece uma apreciação melhor. E o tema não condiz muito com algo tranquilo. Frio do cão na cabine de passageiros. Será que eles querem anestesiar a gente pra não incomodar com pedidos de “um pouco de água, por favor, senhora aeromoça?”?

Como foi esse voo de volta? Grogue, completamente chapado. E até levei uma dura da comissária porque não me levantei para ajudar minha mãe, de 85 anos, a ir ao banheiro. “Moça, estou rivotrilizado, é capaz de eu sim precisar de ajuda pra ir ao banheiro”. E detalhe: na hora do embarque, como faço sempre, avisei à tripulação que sofro de aerofobia, mas que estava medicado, conforme orientação da psiquiatra.

Entre sonolências e pensamentos positivos, chegamos salvos (mas nem tão sãos) a Salvador. Na véspera de São João. Uma cidade tranquila – todo mundo no interior do estado –, um cenário perfeito para a plena recuperação de um panicado.

* * *

No fim das contas, sobrevivi a mais uma jornada aérea com todos os tropeços, remédios e xícaras de macarrão instantâneo pelo caminho. Voltar pra casa é sempre bom, mas voltar com a cabeça no lugar e o avião no chão, melhor ainda. Até a próxima!

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