Aplicativos para relaxar: a paz contra o medo de voar na palma da mão

Imagine a cena: um aeroporto caótico e, lá no cantinho, alguém de olhos fechados, coluna ereta e feições de tranquilidade. “Um ser iluminado”, você pode imaginar. Capaz de ser. Mas é possível também que este passageiro ficcional esteja driblando a mente a mil, que está mais interessada em “voar longe” dali, com pensamentos povoados por aviões despencando do ar. Pois se antes dos smartphones as pessoas oravam ou choravam, hoje as facilidades da tecnologia trazem novos horizontes, onde o sol emana um brilho de paz: bem-vindas e bem-vindos a bordo do maravilhoso mundo dos aplicativos (ou apps, como são chamados) desenvolvidos para fins de meditação ou para trazer um pouco de paz a quem sofre de ansiedade.

 

Uma possível solução para viajar em paz pode estar na palma da mão (Crédito da imagem: mockup por Rawpixel / Freepik — edição por rivotravel)

 

Pânico, dificuldade em respirar, músculos tensos, mãos e axilas produzindo suor em sua plenitude (“em qualquer que seja a estação do ano ou temperatura”). É assim que o consultor em gastronomia e cozinheiro Pablo Gonçalves descreve seu medo de voar. Atualmente, ele usa os aplicativos Meditopia e o Headspace, além de ouvir mantras e músicas que gosta, com um detalhe especial: sempre acompanhado de um chiclete sabor melancia ou menta. Ele conta que a combinação tem funcionado. “No Meditopia você pode escolher desde historinhas narradas para aquietar a sua mente até sessões de meditação com enfoque no sentimento que está tendo naquele instante”, conta Pablo. Segundo o cozinheiro, o uso de tais recursos costumam surtir efeito nele. “Porém, três gotinhas de um remedinho que inspira o nome desse site ajudam bastante”, relata.

Especialista em Práticas Contemplativas e Mindfulness pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, a jornalista Gabriela Pimenta Martins pesquisou o Headspace e Insight Timer em seus estudos. Em tempo: mindfulness pode ser traduzido como “atenção plena no momento presente”. Aplicativos como os analisados por Gabriela funcionam (geralmente) com uma curadoria de vídeos e áudios de meditações guiadas. Isso significa que o usuário terá acesso ali, naquela ferramenta, a diversos textos falados que ensinam ou guiam a pessoa pelo processo de meditar. “São como exercícios. Existem outros apps no mesmo estilo, como o Calm e o Zen. O Insight Timer tem o perfil colaborativo, ou seja, existem meditações de diversas pessoas ao redor do mundo e de diversos estilos. Já o Headspace foi criado pelo Andy Puddicombe, estudioso da área há anos”, conta a especialista. Aos interessados pelo assunto, ela destaca três séries documentais sobre o aplicativo na Netflix: “Headspace – meditação guiada”, “Headspace — guia para dormir melhor” e “Headspace — guia para relaxar”. E para quem sofre de aerofobia, ela recomenda experimentar dois deles: o Headspace e o Zen.

A farmacêutica panicada Bruna Gonçalves gosta muito de usar o Calm. Ela o utiliza há três anos para fazer as respirações e meditações guiadas. Tal prática a ajuda no momento de sair de casa até o aeroporto e antes do embarque — “e para ter coragem para entrar no avião, sem chorar ou causar qualquer tipo de tumulto”. Porém, dentro de avião a coisa muda de figura. “É praticamente impossível (usar o aplicativo) devido à forte tensão do momento. Tento fazer somente as respirações quando vejo que estou entrando em crise de ansiedade”, diz Bruna, acrescentando que também se apega a orações nos momentos de mais dificuldade. Quando está voando, ouve músicas relaxantes que ajudam a inibir o som dos motores da aeronave.

 

O Headspace e o Calm são alguns dos apps citados pelos panicados nesta matéria

 

Mas como tais aplicativos agem no corpo humano? Para saber mais sobre o assunto, conversei com a professora Elisa Harumi, pesquisadora do Instituto do Cérebro do renomado Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.. Ela também é uma das desenvolvedoras do aplicativo Meditação Natura. “Tenho uma linha de pesquisa que envolve neurociência e comportamento. Em especial, a gente tem projetos que visam o bem-estar das pessoas. Avaliar intervenções, dentre elas aplicativos, para ver o quanto realmente eles são efetivos”, afirma Elisa.

Na fase de projeto, a equipe da pesquisadora buscou desenvolver um aplicativo para ajudar as pessoas a reduzir o estresse. Ela afirma que poucos aplicativos da área de saúde realmente foram avaliados em estudos controlados apropriados “como a gente preconiza dentro de uma boa ciência”, pontua. Ela prossegue: “é muito diferente de você realmente fazer um estudo científico como nós fizemos com o Meditação Natura, como é realizado também com o Headspace, que é um aplicativo muito conhecido internacionalmente”. Ela também cita outros aplicativos reconhecidos pela qualidade do produto, como o Healthy Minds Program, ligado à Universidade de Wisconsin—Madison, nos EUA; e também o Imagine Clarity.

“Um aplicativo é uma vantagem tecnológica de acesso. Com o aplicativo, é possível atingir um grande número de pessoas, ao contrário de aulas presenciais, que talvez tivessem vinte, quarenta pessoas”, diz. Ela explica que tal conteúdo leva o individuo ao relaxamento, que é a habilidade básica para a pessoa conseguir benefícios de redução de sintomas de ansiedade. E quando o usuário relaxa, permite que o sistema nervoso saia do modo simpático para o modo parassimpático. “O modo simpático é aquele que está ligado à hiperatenção, à tensão. E a gente indo para o modo parassimpático, que é o modo que permite entrar em relaxamento, em descanso, basicamente essas práticas permitem fazer pequenos descansos de quinze minutos, trinta minutos, ou mais”, explica.

À medida que vamos desenvolvendo a habilidade de relaxamento, vamos conseguindo em um segundo momento desenvolver uma habilidade chamada atenção relaxada, continua a pesquisadora. “Então a gente consegue criar aquela qualidade da atenção, que estamos atentos ao que está acontecendo no mundo presente, mas de uma maneira mais relaxada, mais agradável. Sai daquele modo de gasto excessivo de energia, de uma atenção com tensão física a emocional para um modo de atenção com relaxamento, então ela não se desgasta tanto. Do ponto de vista do cérebro, você está ativando mais áreas do córtex pré-frontal, que são áreas relacionadas à atenção e à memória”, diz.

 
 

Segundo Elisa, a meditação guiada por aplicativos é uma ótima opção para quem sofre de aerofobia. A pessoa coloca um fone de ouvidos, fecha os olhos para desconcentrar daquele ambiente estressante para ela e pode então desfrutar de um relaxamento. “De qualquer modo não sei se é é suficiente para ‘curar’ de um medo de andar de avião. Acho que quando uma pessoa chega no nível de uma fobia, de um grande sofrimento, é interessante a busca de um profissional, de um psicologo especializado em técnicas cognitivo-comportamentais”, completa.

Outro panicado que sofre demais com viagens aéreas é o designer gráfico e fotógrafo Cláudio Guimarães. E no caso dele “o buraco é ainda mais embaixo”. “Tenho ansiedade crônica, que por si só dá falta de ar, taquicardia, alteração na pressão arterial, entre outras coisas que, juntando ao medo de voar, provoca calafrios desde a entrada do aeroporto até o pouso. E choro muito durante o voo, muito mesmo”, diz. Ele conta que, nos momentos de meditação, utiliza a “frequência 432Hz”. “Essa frequência causa um efeito tranquilizante porque ela visa expandir a mente, a consciência, aumentando o nível de percepção da nossa realidade e ajuda a controlar os nossos pensamentos”, conta.

Mas já que estamos falando aqui de ciência, será que ouvir sons nessa frequência ajuda a acalmar? O assunto é controverso. “Sim, está sendo estudado que essa frequência pode, em determinadas condições, induzir ao relaxamento”, afirma a musicista Viviane Magalhães, da União Brasileira das Associações de Musicoterapia (UBAM). Ela explica que, devido a inúmeras questões científicas e holísticas, a afinação do mundo “subiu de 432Hz para 440Hz, levando a uma suposta ‘desafinação’ do indivíduo com o planeta. A teoria meditativa faz uma tentativa de retorno do Eu ao Inconsciente do Planeta e a científica um retorno às origens da afinação do período barroco”. Já o e-mail que recebi da professora Mariana Arruda, coordenadora do bacharelado em Musicoterapia da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) é categórico: não há comprovação científica da tal frequência e seu uso terapêutico.

Cláudio é fã ferrenho da 432Hz. “Nem todos têm a mente aberta para utilizar, porque não acreditam, mas garanto que bastam cinco minutos ouvindo para sentir os efeitos, eu fico horas escutando, enquanto eu precisar. Se não usasse a meditação e a audição da frequência, nem entraria no avião”, diz.

Passando pelo crivo da ciência ou não e parafraseando uma famosa frase, concluo essa matéria com um questionamento: “fazendo bem (ao panicado), que mal tem?”.

Na verdade, na verdade, para terminar mesmo, deixo uma dica de aplicativo que a BBC Brasil trouxe em uma matéria. Com o “Am I Going Down?” (“Vou cair?”, em português) o usuário pode ver a probabilidades de acidente de várias rotas. A ideia, segundo o texto, é que a informação tranquilize quem tem medo de voar. “A probabilidade de um acidente em qualquer voo entre os aeroportos de Heathrow, em Londres, e Miami, por exemplo, é de 1 em 4,998,290. Se você pegar o voo todos os dias, esperaria, em média, 13.693 anos até cair”, diz o texto.

Todos os dias.

É, muita coisa. Mas o pânico continua, né?

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