Medo de não tomar remédio e morrer de medo
Viajar sem os meus remédios para encarar meu medo de voar? Pois é, talvez isso tenha que acontecer. Não seria a primeira vez, já escrevi sobre isto aqui no rivotravel. Mas já explico.
tomar ou não tomar o remédio?
Eu já comentei em uma matéria passada que a gente (eu e meu marido) vamos passar as festas de ano novo em São Paulo, com minha irmã. Aliás, as festas, não. A festa (Natal). Pois, para economizar na passagem de volta, escolhemos uma data cujo bilhete aéreo estava custando a metade do preço. O problema é que a decolagem é justamente no dia 31 de dezembro, no meio da tarde, pousando em Salvador no comecinho da noite. Resultado: passaremos réveillon já de volta, em casa. Em casa, vírgula. Em alguma festa, é claro.
Meu marido então lembrou uma coisa: como vai ser isso? Eu sempre viajo medicado, quase (quase?) dopado. Chego no destino e capoto no primeiro sofá ou cama que tiver na frente. Sendo assim, existe a forte possibilidade de passar a virada para 2026 roncando. O que não seria nada legal. Eu adoro réveillon.
Então Luis (antes conhecido como Rafa, meu cônjuge e editor do rivotravel) sugeriu: e se você não tomar o remédio?
“Ah, claro. Pimenta nos olhos dos outros é refresco”, pensei eu na mesma hora. Para mim sempre foi fora de cogitação, pelo menos nos últimos 15 anos, voar sem meu amiguinho da indústria farmacêutica. Mas agora, dada essa situação peculiar do voo no apagar das luzes de 2025, é algo que estou pensando seriamente.
E se eu voar “de cara”, sem usar medicação? Na mesma hora que penso nisso sou engolido pela ansiedade. Na matéria “Poder da mente: quem pensa em coisas legais os males e medos espanta?” publicada aqui no rivotravel no mês passado eu ja levantava a hipótese de não tomar a santa medicação durante o voo. E questionava: E se eu não tomar o remédio? E se eu passar mal? Uma irmã minha vivia repetindo “na terra do ‘se’ não mora ninguém”. Eu confesso que levei um certo tempo processando essa máxima, não entendi de primeira o que ela queria dizer com isso. Hoje entendo. Não adiante muito ficar falando “e se eu tivesse feito de modo diferente?”, “e se eu tivesse aceitado aquela proposta de emprego”. Nisso eu concordo com minha irmã: na terra do “se” não mora ninguém, pois ela é infrutífera, árida. Nada floresce ou germina.
O problema é que essa ideia é válida para o passado. Ou seja, para coisas que eu não mais nenhum poder. Situações sobre as quais não tem mais sentindo pensar. Mas as coisas do futuro, como é o caso de meus voos, essas sim eu tenho (certo) controle — relativizo a palavra controle pois quase nunca temos pleno controle —, e é justamente essa falsa sensação de poder ter plena gestão de tudo que leva muitos viajantes de avião a temer aeronaves.
Mas voltando ao “na terra do se não mora ninguém”, repito; vale com exatidão pro passado. Mas pro futuro? Eu posso fazer algumas escolhas. Eu poderia ter escolhido um voo no dia 1º, arcando com as consequências de sair mais cedo da festa e ir direto pro aeroporto, algo nada animador, além de me privar do álcool (já escrevi aqui várias vezes sobre o perigo de misturar bebidas com ansiolíticos). Então, eu estava consciente que seria um voo “intenso” quando comprei a passagem.
E se…
Mas… e se eu tomar só a metade da dose que costumo tomar? De repente eu posso assim não ficar com tanto sono e encarar a farra dia 31. Posso até testar essa tática no voo de ida.
Mas e se a metade da dose não for suficiente? Estou aqui pensando em alternativas para minimizar os danos da falta da quantidade habitual do remedinho. Eu nunca fui de ouvir música, mas em setembro comprei um par de fones de ouvidos com função noise-cancelling, que abafa bastante os ruídos exteriores. Posso tentar usá-los, muitos panicados usam dessa tática pra encarar o desafio de voar. De repente já faço uma seleção de músicas que me despertam sensações boas. É claro, fazer “o abc” e a voz do pato Donald, como já contei nessa matéria aqui.
Pensando com meus botões, acho que a ideia de tomar só metade pode não ser muito boa. Em 2023 fiz um voo de Lisboa a Madri tomando só metade da dose pois estava com minha mãe, uma senhora de 84 anos na época, e eu precisava estar atento pra ajudá-la, pois ela tem dificuldade de locomoção. Chegando no destino, resolvi me arrastar até o museu Reina Sofia. Foi bizarro. Andava parecendo um zumbi pelos corredores. Durei no máximo uma hora lá dentro. Fica a dica: se tomar remédio para o voo, melhor descansar depois. Afinal, nada como comemorar uma vitória (no caso a viagem aérea realizada com sucesso) com um belo cochilinho. Como diz a expressão cunhada no século 17 pelo dramaturgo francês Jean Racine, é o “sono dos justos”.
Talvez eu não precise decidir nada agora. Pode ser que, na hora, eu sinta que dá pra encarar um voo sem o tal remedinho — ou que não dá, e tudo bem também. O importante é lembrar que o medo não some, ele aprende a viajar com a gente. E quem sabe, dessa vez, ele vá quietinho ali do meu lado, vendo a cidade ficar pequena pela janela. Quem sabe, mais tarde, eu possa celebrar esta pequena vitória junto com a passagem do ano.