Envelhecendo com a aerofobia — os anos passam, só o pânico que, às vezes, não passa…

Diz o clichê: o envelhecimento nos traz confiança e sabedoria. Pois quando se trata de meu medo de voar, isso tudo vai por água abaixo. Os meus primeiros anos de aerofobia até que foram leves quando comparados ao completo pavor que sinto com a mínima ideia de ter de voar hoje em dia. Há explicação para isso? Fui atrás de respostas às minhas dúvidas e encontrei na psicóloga Ingrid Quintão, que é especialista em saúde mental e co-fundadora do Lugar de Encontro, clínica de acompanhamento terapêutico em Brasília (DF). Ela diz que, apesar de estudos não apontarem para o aumento de sintomas diretamente relacionado à idade, é um fator a ser levado em consideração. Segundo a profissional, o medo não tratado devidamente tende a aumentar para um quadro de ansiedade e pode evoluir para crises de pânico intensas. “A recomendação para o medo de voar é psicoterapia intensa, uso de medicação durante as crises e técnicas de dessensibilização como se aproximar ao máximo de coisas relacionadas a voos, assim como realização de simulações. Quando não ocorrem tais cuidados e somente a fuga e esquiva podemos pensar que o que se faz são paliativos. Isso não faz com que a pessoa diminua o medo, logo na medida que o tempo passa esse acumulo se vincula às questões relacionadas à idade e à necessidade natural de autopreservação”, afirma.

 
 

A designer Renata Maaze conta que sua aerofobia começou por volta de 2009. Ela ficava com taquicardia, suor, muita angústia. No início era medo de morrer no avião, ter algum ataque cardíaco ou algo sério. Foi aí que ela buscou ajuda de um médico, fez exames e viu que não tinha nada clínico que justificasse tais sensações. “Fui no psiquiatra e estava com vivência hipocondríaca. Aí começou o medo de voar”, explica a panicada. Depois que teve filhos, esse medo aumentou, um medo de viajar e ficar sem eles (inclusive já fizemos uma matéria sobre a questão da maternidade relacionada à aerofobia, que você poder ler aqui).. “(Medo) de acontecer algo comigo e deixá-los e aí vira um bola de neve. Quando viajo com marido e filhos fico menos nervosa, porque penso se algo acontecer estaremos juntos. Coisa maluca, mas real˜, diz.

 

Renata Maaze com os filhos no aeroporto do Recife, em 2019

 

Renata conta que sempre viajou sozinha, desde criança seus pais a mandavam, junto com a irmã, de Recife para São Paulo nas férias. Elas iam e voltavam sozinhas, até que uma vez, em 1989, quando tinha 9 anos, voltando de São Paulo com a irmã, que então havia 13 anos, o voo fez uma parada de emergência: parou no Rio de Janeiro. “Na época nem lembro de ficar nervosa, mas o motivo da parada foi fogo na cabine! Acho que isso pode ter ficado guardado na memória e ativado na síndrome do pânico”. 

“Antes de 2008 eu viajava direto de avião e sempre dizia: avião é mais seguro que carro! O mundo dá voltas”, relata Renata.

Já o panicado Ricardo Braúna conta que o medo de voar começou de forma absolutamente espontânea, sem nenhum acontecimento específico que servisse de gatilho (ainda que tenha o acidente do Chapecoense muito vivo na memória). “De repente me peguei ansioso em pleno ar, com medo de que as turbinas parassem, que um motor explodisse, que a gasolina acabasse, e mil situações em minha cabeça. Sempre viajei muito e nunca me sentia inseguro, mas desde meados de 2017 quando comecei a viajar bastante para fazer concursos pelo Brasil sinto medo voando e muito alívio após o pouso”, afirma.

 

Ricardo Braúna em sua viagem de avião mais recente, de São Paulo para a Cidade do México, em agosto de 2021

 

Ricardo conta que, com os anos, a aerofobia se tornou mais conhecida por ele mesmo, uma espécie de amiga (amiga da onça, convenhamos). No começo ele achava que eram fatores externos que o faziam estar temeroso com os voos. “Mas agora já sei que não . Eu tenho medo é de voar mesmo. Então pelo menos já posso preparar o psicológico pra o que quer que seja˜, diz, acrescentando que agora, antes de programar uma viagem, checa se não há meios alternativos de transporte que façam com que ele passe longe de uma aeronave. Ricardo não consegue com clareza atribuir o pavor de avião a algo específico… Mas tem algumas pistas. “Acho que atribuo ao fim da juventude, sensação de envelhecer, de finitude, de estar mais próximo da solidão e da morte. Mas é apenas uma teoria, pois não tenho realmente uma razão objetiva”, conclui.

A psicóloga Ingrid Quintão pontua que a história de vida de cada pessoa deve ser analisada. Muitas vezes o diagnóstico da aerofobia está associado com outros medos e diagnósticos como o transtorno depressivo que pode ajudar a potencializar os sintomas da fobia. Com o passar do tempo, os sintomas associados podem ficar ainda mais intensos, a depender do contexto de tratamento. Na medida que envelhecemos, ela explica, ocorrem alterações fisiológicas, biológicas, psicológicas, econômicas e políticas que influenciam a vivência do medo. Por exemplo, uma pessoa que está com uma doença ou tem alguém doente na família pode sentir mais intensamente o medo quando se depara com necessidade de voar.

Pergunto à psicóloga: muitas pessoas que sofrem de aerofobia associam o medo de voar ao medo de morrer. Nesse sentido, o envelhecimento, a proximidade cada vez maior do fim da vida (mesmo em pessoas ainda longe da terceira idade) pode ser um fator para a piora do medo de avião? Ela diz que sim, que uma pessoa com tendência a ter medo coloca muita luz sobre experiências cotidianas e acaba reproduzindo um padrão, e isso não é diferente com a questão da morte. Na medida que aumenta a probabilidade de morte, a necessidade de controle e fuga também aumentam. “Um modo de viver com receio e muita esquiva. O resultado é a tentativa de ajuste das variáveis para que nada de ruim aconteça. Ou seja, o cuidado para esse tipo de fobia deve ser imediato, fazer evitação pode apenas protelar as crises e aumentar o medo”, salienta.

Ou seja, caras panicadas e panicados. Se seu medo não vai embora com o tempo e só aumenta, é hora de ver isso aí com um especialista, né? Um belo presente de aniversário, de você para você mesma.

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