O melhor lugar do mundo não existe — e viajar nos ajuda a ver isso

Qual a cidade ou país mais bacana de todo o planeta? Londres? Nova York? São Paulo? Rio de Janeiro? Belo Horizonte?

Entra ano, sai ano, e sempre vejo matérias falando sobre os melhores lugares para se viver. As listas levam em consideração diversos aspectos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), qualidade de vida, salários, transporte público e outros pontos variados. Algumas delas incluem dados menos tangíveis, como o tal “índice de felicidade”, e nesse aspecto o Butão parece ser imbatível. Mas, mesmo sem conhecer o Butão, acho que não gostaria de morar lá. Gosto do “fuzuê”, de ter acesso a museus, cinemas, bares com drinks gostosos. Creio que minha felicidade naquele país seria pequenina, tal qual o tamanho da nação asiática. Mesmo sem conhecer lá, arrisco dizer que o Butão não é o melhor lugar do mundo. Para mim, é claro. Aposto que os monges são bem felizes.

E o que as viagens têm a ver com isso?

 
 

Quando viajamos, experimentamos uma visão parcial do destino. Mesmo que não seja uma estadia corrida, de poucos dias. Sei lá, ficar um mês em Buenos Aires, por exemplo. Será que é o suficiente para cravar a frase “aqui eu gostaria de viver”? Será que 30 dias bastam para uma avaliação precisa sobre como é morar lá? Desconfio que não. Se você for na primavera e tudo for flores, com perdão do trocadilho, certamente não terá vivenciado o frio absurdo no inverno e todos os inconvenientes que ele traz para a vida de uma pessoa. E por aí vai.

Mas claro que sair de nossa cidade é ótimo. Amo viajar. E quando estou em algum lugar fora de meu “habitat natural”, busco me desconectar o máximo que posso de minha origem. Experimentar novos pratos com suas mil texturas e condimentos, ir aos mercados (já disse em outro texto aqui no site que ir ao local onde as pessoas fazem compras revela muito daquele povo), conhecer gente nos bares, mesmo que a “amizade pra sempre” nascida ali não dure mais que alguns copos de cerveja. Viajar, para mim, é isso.

Nas últimas semanas, em minhas redes sociais, vi alguns depoimentos de viajantes que me fizeram torcer um pouco o nariz — todo mundo julga, gente, é natural. Um conhecido foi passar três semanas fora, na África. Os relatos eram apaixonantes, juras de amor eterno, amor verdadeiro. Cada post revelava aspectos interessantíssimos das culturas locais dos países por onde passou. Mas ele dizia que não via a hora de chegar ao Brasil, que estava morrendo de saudades. Curiosa a vida, não é mesmo?

Outra brasileira botou os pés em Lisboa e foi comer feijoada. Sério isso? Será que ela sofre de abstinência severa ao famoso prato brasileiro? Será que algumas horas de avião foram suficientes para despertar o apetite cotidiano da brasileira de corpo e alma? Será que ela estava aberta ao novo?

Atualmente, acompanho a viagem de férias de duas semanas à Europa de uma jornalista (a maravilhosa Mila, do @nocasomila). E ela brinca: “ah, que saudade de cuscuz, vou voltar para Pernambuco agora”. E cai na risada. Pode até ser que ela realmente estivesse com ganas de comer a tradicional receita nordestina (eu amo), mas, mesmo sem querer, o ponto que ela parecia tocar é: estando em Roma, faça como os romanos (ou em Londres, faça como os londrinos, como era o caso). Ela sabe que, acabada a viagem, terá muito tempo para comer cuscuz em casa. Então é melhor aproveitar o típico café da manhã inglês, com muito ovo, bacon e feijão. Esse último ela dispensou, achou estranho demais. Eu teria comido, com certeza.

Antes da pandemia, a gente alugava um quarto aqui em casa via Airbnb. Os turistas chegavam — e saiam — maravilhados com a cidade (uma visitante gaúcha chegou a se mudar para Salvador) . Eu, claro, entrava na onda. Amava dar dicas, falar da cultura, da gastronomia, onde ir, onde comer, qual a melhor praia. Mas também dizia onde evitar, como se comportar em certos lugares, alertava para ter cuidado ao usar o celular na rua.

 
 

Amo Salvador, há pontos super positivos nela. Outros, para mim, são negativos, como o excesso de calor e luminosidade. Sou meio vampiro. Mas a alegria do povo é inegável. A culinária é excelente. As festas, divertidíssimas. Mas quem vem por uma semana geralmente não passa os perrengues e nem vivencia as coisas ruins: o racismo entranhado dos brancos, o machismo, a LGBTfobia, os engarrafamentos, o desrespeito à lei do silêncio. Note que não estou falando que esses pontos são exclusivos da capital baiana. Arrisco dizer que toda grande cidade brasileira passa, em maior ou menor grau, por tais problemas.

Eu fui ensinado a ter horror a Salvador (meu pai era um italiano extremamente xenofóbico). E tento trabalhar dentro de mim isso o tempo todo. Acho que tenho tido êxito. A real é que um mesmo traço de um povo ou cidade pode ser positivo e negativo ao mesmo tempo. O soteropolitano é um ser muito cordial, mas às vezes é extremamente individualista, do tipo “que se dane o outro”. Quando estou em um dia bom, é deliciosa a informalidade daqui, dar um “boa tarde” aleatório na rua e ser respondido, ser amável com as pessoas, esperar pacientemente para ser atendido enquanto o funcionário termina de contar a fofoca do dia ao colega. Mas no dia que estou com pressa, essa espera de dois ou três minutos (ou até mais) me faz desejar estar em uma cidade onde tudo funciona como um relojinho. Claro que conto mentalmente até mil para não descontar em ninguém minha falta de paciência. Ou seja, tudo que é bom depende do dia, do contexto, do seu humor, de sua fase da vida.

Nesse sentido, viajar é ótimo. Pois nos faz perceber que aquilo que temos “em casa” pode não ser tão ruim assim. Quando morei em Roma, odiava ir aos supermercados, com as funcionárias do caixa sempre grossas, jogando os produtos na esteira. E eu que embale tudo logo e saia correndo, pois uma vez a conta fechada, elas já começavam a registrar as compras do cliente seguinte, e iam arremessando as coisas dele em cima das minhas. Isso acontecia em todos os mercados por onde passei por lá. Odeio o povo romano? Claro que não! Já voltei incontáveis vezes à Cidade Eterna, que mora para sempre em meu coração. As igrejas (nem católico sou, pelo contrário), os monumentos, a grandiosidade da escala urbana, as vielas de Trastevere. Tudo me encanta. Mas Roma está longe de ser perfeita.

Onde gostaria de morar? Seria incrível ter muita grana para ter casas ao redor do mundo. Grécia? Oba! Mas fora de temporada, pois as hordas de turistas costumam irritar qualquer cidadão. Cidade do México? Delícia! Mas com um helicóptero para se locomover. Norte da Europa seria uma ótima pedida, mas só um pouquinho, pois por lá também abundam os problemas. Uma amiga baiana, cidadã brasileira e finlandesa, está deixando Helsinque pois não suporta mais a frieza e o individualismo do povo de lá. Por coincidência, ela vai morar na rua ao lado de nossa casa. Prevejo café com bolo aqui na sala. Quer coisa mais prazerosa que isso? E ter amigos que te recebem em casa é raro em certos países.

Talvez certo mesmo seja o mestre Gilberto Gil, que preconiza: o melhor lugar do mundo é aqui e agora. Mas ir para outros “aquis” também é bom demais.