A festa de quinze anos do meu medo de voar
Festa de debutante ainda é algo que está na moda? Nos anos 1990, quando eu era adolescente, era um frisson (amo essa palavra). Pois amanhã, dia 18 de setembro de 2025, minha aerofobia completa quinze anos! Sim, ela tem certidão de nascimento, foi decolando em um voo da empresa espanhola Vueling, de Roma para Paris (você pode ler mais sobre isso clicando aqui — uma matéria que fiz na ocasião dos dez anos de pavor de aviões), que tudo começou. E agora ela já virou uma mocinha. Sou sagitariano e adoro celebrar, mas meu pavor por voos é virginiano. Será que dá liga?
Bem debutante, bem quinceañera pra celebrar 15 anos de aerofobia
Fico pensando: o que é um baile de debutantes, desses que lemos em romances folhetinescos do milênio passado? Era a forma que as famílias mais abastadas (ou nem tanto) encontravam para “mostrar a filha para a sociedade”, a moça que estava virando mulher — como se 15 anos ela já fosse adulta —, e, se tudo desse certo, já prospectar um pretendente. Estou errado? Acho que é por aí, né?
Bem, eu não tenho nada de novo para mostrar, confesso. Sou um livro aberto e tudo que ocorre em minha vida em relação às viagens aéreas eu conto por aqui no site. Mas um noivo eu gostaria de arranjar, sim: uma editora que se propusesse a publicar um livro do rivotravel. São muitas matérias nesses oito anos — e meio — de vida online. Seria um belo presente de aniversário.
Mas uma coisa me faz pensar: por que celebramos certas datas?
Comemorações
Como eu tento, com o rivotravel, trazer também conhecimento especializado, entrevistei o professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Emãnuel Luiz Souza e Silva, que é doutor em História Moderna pela Universidade Federal Fluminense (UFF). “As datas comemorativas são celebradas de maneiras e proporções distintas. Posso citar o caso de algumas etnias indígenas aqui do Maranhão que celebram a maioridade simbólica do rapaz e da moça daquele grupo, que se chama ‘festa do moqueado’, celebrada pelos Timbira. E não tem relação com a dinâmica capitalista das sociedades ocidentais”, diz o professor, ressaltando que comemorações de certas datas são antiquíssimas, como alguns exemplos de civilizações da antiguidade. “Existia na Grécia antiga, por exemplo, um Deus chamado Dionísio, do vinho, das festas”, destaca Emãnuel. Sobre as festas de quinze anos, o pesquisador diz que esse tipo de festa é antiga e marcava a chegada à vida adulta. “Não com as mesmas características de hoje. Mas não era todo mundo que comemorava, geralmente era a elite que fazia. No Brasil, acredito que tenha iniciado no século XX, já seguindo um pouco dos aspectos de hoje, para um grupo seleto, com pompa e para demonstrar um status social”, afirma.
Dada essa atualização histórica, é hora de atualizar o texto do rivotravel que publiquei em 2020, quando comemorei os dez anos do meu pânico. De lá pra cá, veio pandemia e me deixou muito, mas muito medroso mesmo, não só em relação a aeronaves. Eu tinha medo de sair de casa, até mesmo depois de terminar o ciclo básico de vacinas contra a Covid. Tinha medo de passar pelo batente da porta de casa. E como faz um viajante, uma pessoa que ama cruzar fronteiras, ao se perceber essa situação? Vai pra terapia, claro. E eu fui. Não sei se resolvi exatamente questões ligadas à minha aerofobia, mas com certeza resolvi várias minhocas em minha cachola, e consequentemente meu terror quando saio do solo também foi nesse mesmo barco. Não posso dizer que estou curado, são muitas as camadas de receios que precisam ser cavadas.
Já é algo que vale a pena celebrar, não é? Creio que sim.
Vai um bolinho dos meus 15 anos de medo de voar?
O medo em 2025
Mas sinto que, um pouquinho só, estou me recuperando. É um processo. O medo na hora da compra não é mais o mesmo. Idem para a véspera do voo. Acho que fico mais ansioso com o ato de fazer a mala, de esquecer algo ou de passar dos doze quilos, do que pensar no embarque do dia seguinte.
No aeroporto devo confessar que as mãos continuam virando dois minadouros-d’água. Entrar na aeronave é um suplício que vai escalando em looping até a hora que a decolagem é concluída.
Em 2022, várias mudanças, não minhas, em minha família, mas que tiveram impacto em minha vida. Uma irmã e uma sobrinha saíram de Salvador para morar cada uma em uma cidade do estado de São Paulo: Campinas e São Carlos. No ano seguinte foi a vez de uma outra sobrinha ir morar na capital paulista. Sabe essas pessoas que você não consegue ficar muito tempo distante? Pois é, foi assim, então lá fui eu aumentando o número de viagens. E acho que esse incremento nos voos me deixou um pouco menos ansioso.
De 2020 para cá também tive a grata surpresa de um upgrade de classe. Foi em 2023, em um voo da Air Europa de Madri para Salvador. Eu havia comprado as passagens na economy premium, aquela que é basicamente uma econômica normal, mas com poltronas um pouco mais largas e com mais espaço para as pernas. Nada de mais. A surpresa veio dias antes de voltar ao Brasil, quando recebi um e-mail da companhia aérea dizendo que, como o modelo de avião na rota havia sido trocado e nele não havia classe premium, eles tinham me dado um upgrade para a executiva. E foi um sonho, só o fato de poder deitar completamente o assento, em 180 graus, e dormir a 40 mil pés já ajudou muito.
E nem exalto as bebidas e o serviço de bordo. Falo da abundância de espaço mesmo, sabe? Não tenho claustrofobia, mas ficar apertado lá no meio do avião é algo que me faz palpitar mesmo em terra firme. Por isso, nos últimos anos, descobri que voar na primeira fileira (mesmo que em um voo nacional) já diminui meu terror. E não estou sozinho nessa, outras pessoas também sentem o mesmo, como você pode ler nessa matéria que escrevi o ano passado aqui.
Nessa mesma viagem na Espanha, fiz um voo interno com amigos entre Sevilha e Barcelona. Poderíamos ter ido de trem, era o mesmo preço, mas meu amigo não pode ficar muito tempo sentado por conta de dores nas costas, então, solidário que sou , lá fui eu embarcando em um Airbus da…Vueling! Onde tudo começou! Mas dessa vez deu tudo certo, afinal, ao contrário do nascimento do meu pânico, ali eu estava devidamente medicado. No final, já na aproximação da pista do aeroporto para o pouso, viro para o lado e vejo meu amigo branco de medo! Pois descobri ali que ele também era panicado, só que, ao contrário de mim, não era a decolagem o motivo de horror, e sim a chegada. Pois não é que foi a minha vez de ajudar alguém em sofrimento psicológico? Vivendo e aprendendo.
Uma coisa que também me tocou positivamente nesses últimos anos foi o conforto de receber mensagens carinhosas de leitoras e leitores compartilhando suas dores. Não é questão de ser sádico, ficar feliz com a dor alheia. Mas sim de pensar que não, não estou sozinho nessa. Tem uma leitora que eu acho fofa demais, sempre que ela conclui mais uma etapa voada ela me avisa, dizendo que chegou bem. Fico verdadeiramente feliz por ela, pois só quem sofre disso é que sabe como é ruim voar.
E eu quero continuar assim, contente, compartilhando minhas vitórias cada vez que viajo. Pois sei que muita gente pensa (e sei disso pois me contam): se ele consegue, eu também posso conseguir.
Feliz debut, meu querido medo. Quantos anos você vai durar? Não sei. Mas que continue assim, controlado enquanto vivo.