Curiosidade por desastres aéreos: isso existe e é comum entre panicados

Meu fascínio com aviões existe desde que sou criancinha. E, com ele, veio meu interesse por acidentes aéreos. Lembro como se fosse hoje, eu lendo a enorme matéria (bem ilustrada com fotos, para meu prazer) que a revista Veja fez na época do acidente da Varig na selva amazônica, em 1989. Era uma época pré-TV a cabo e internet, então eu devorava o pouco material que havia à disposição sobre desastres aéreos. Hoje, morro de medo de voar, e estranhamente o interesse pelo assunto continua mais forte do que nunca. Uma de minhas fontes preferidas é o programa Mayday!, do canal NetGeo — mas os capítulos podem ser facilmente encontrados no Youtube. É uma curiosidade mórbida, saber as causas dos acidentes, se houve vítima fatal, como foram as investigações etc. E não sou maluco, não (pelo menos não estou sozinho nesse “barco”). Muitos panicados têm esse mesmo hábito: o de ler e assistir a programas sobre o assunto.

 
Acidentes aéreos são sempre traumáticos e tristes — quem tem pânico de avião também acaba sendo impactado pela notícia e alguns acabam indo além na curiosidade sobre o assunto

Acidentes aéreos são sempre traumáticos e tristes — quem tem pânico de avião também acaba sendo impactado pela notícia e alguns acabam indo além na curiosidade sobre o assunto

 

É o caso da editora Katia Borges, panicada confessa. “Não sei dizer (o motivo do interesse), é como se eu quisesse ter o domínio das informações, o que aconteceu exatamente em cada caso. Imagino que seja uma forma de ‘controle’ sobre o incontrolável”, conta. Ela tem um curioso hábito: antes de viajar para algum lugar, busca na internet vídeos de decolagens e pousos no aeroporto de destino. Ela também pesquisa temas específicos, a partir de desastres.  Um dos exemplos mais recentes foi a queda do avião que levava o time da Chapecoense — o avião se chocou com um morro em novembro de 2016, pouco antes do pouso, em Medellin, na Colômbia. Das 77 pessoas a bordo, apenas seis sobreviveram. Outro acidente que chamou muito a atenção da editora foi o caso do voo da Air France que caiu no oceano Atlântico. A queda aconteceu em 2009, e não deixou sobreviventes. A causa do desastre foi a obstrução, no meio de uma forte tempestade, dos pitots, sondas que auxiliam na medição da velocidade do avião e que ficam localizadas próximas à cabine dos pilotos. “Fico, sei lá, vendo os perfis de quem estava nessas aeronaves, os que perderam o voo e se salvaram, coisas assim”, afirma. 

 
Katia Borges, no Rio, em 2015. A viagem foi feita após um hiato de 15 anos sem voar, por conta do medo de avião

Katia Borges, no Rio, em 2015. A viagem foi feita após um hiato de 15 anos sem voar, por conta do medo de avião

 

A incerteza sobre o que acontece no momento da morte em um desastre aéreo é um dos motivos que atraem a jornalista Clarissa Borges a procurar notícias sobre o tema.  O pânico piorou muito depois que um amigo dos irmãos de Clarissa morreu no acidente da TAM em 2007 (em Congonhas, São Paulo). Vendo de perto o sofrimento da família e amigos, ela começou a pensar no que se passa no momento da morte em um acidente desse tipo. Isso é o que mais aterroriza a jornalista. Sempre que vai viajar de avião, principalmente longas distâncias, costuma ter pesadelos “Quando acontece um acidente, vou a todas as fontes possíveis e fico sabendo de todas as versões. Com o acidente com o time da Chapecoense foi assim. Meu irmão me contou de manhã, bem cedo. Passei o resto do dia atrás de notícias”, relembra. E ver programas sobre o assunto traz algum alento? “Acho que piora (o medo de voar). É mais forte do que eu. Mas algumas informações ajudam. Índices de acidente, mais itens de segurança, novas aeronaves, mais seguras”, elenca.

 
Clarissa Borges, em 2015, em Genebra, na Suíça. A jornalista tem pânico de voar sobre o oceano — mas como ama conhecer novos lugares, viaja mesmo assim

Clarissa Borges, em 2015, em Genebra, na Suíça. A jornalista tem pânico de voar sobre o oceano — mas como ama conhecer novos lugares, viaja mesmo assim

 

“A cultura ocidental é baseada na violência e todos nós temos, em algum nível, problemas com a nossa mortalidade”, explica o administrador Carlos Almeida quando perguntado sobre o que o atrai em programas como Mayday!. Com materiais como esse, ele consegue perceber quais empresas tendem a ser mais seguras (Carlos tem uma lista de empresas aéreas nas quais jamais colocará os pés). Ele também gosta de ver vídeos do Youtube que discutem questões como turbulência e outros assuntos ligados ao tema. “A estrutura dos programas de desastres aéreos privilegia mais o efeito dramático da questão do que pedagógico, ao meu ver”, pondera. Acidentes aéreos próximos a uma viagem deixam Carlos tenso. “Mas, ao mesmo tempo, me promove uma sensação de alguma segurança por acreditar que as chances de dois acidentes aéreos muito próximos serem bem menores. Me passa a sensação de que as empresas tendem a ser mais cuidadosas com manutenção, e os pilotos ficam mais atentos, ao menos durante algumas semanas após um grande acidente”.

Quando um avião cai perto de uma viagem da publicitária Cristal Bittencourt, ela tem a certeza de que o dela não vai cair. “Quais as chances de dois acidentes muito próximos um do outro? Pode acontecer, mas é muito raro”, questiona Cristal. Estatísticas de passageiros também a atraem. “É muito raro ter pessoas famosas (em acidentes). Então quando um famoso entra no meu avião, eu já comemoro. E sim, sei que nada disso faz sentido”, brinca. Ela diz que, de uma forma estranha, saber mais sobre acidentes de avião a acalma. É como se ela começasse a entender a rotina, a fórmula dos acidentes. “Tenho uma amiga que não conseguiu ir para uma viagem ano passado por causa da queda do avião da Chapecoense. Já eu viajei tranquila dias depois”, relata. 

 
Cristal Bittencourt e o marido, Wicttor Picanço, em um voo Miami — Salvador. No momento da foto, ela tinha acabado de tomar um remédio para dormir (para vencer o medo de voar) e desfaleceu por 10h

Cristal Bittencourt e o marido, Wicttor Picanço, em um voo Miami — Salvador. No momento da foto, ela tinha acabado de tomar um remédio para dormir (para vencer o medo de voar) e desfaleceu por 10h

 

Sentimento parecido ao da publicitária tem o coordenador de exportações Zecca Borges. “Ao mesmo tempo que tenho medo de assistir aos programas, eles me acalmam no sentido de "saber" o que fazer se o mesmo ocorrer com o avião onde eu estiver. Sempre sento mais para o fundo da aeronave, pois aprendi que lá as pessoas têm mais chances de sobreviver. Às vezes assistia horas e horas deste show (Mayday!), até mesmo quando eram repetidos. Acho que posso me salvar quando sei mais detalhes de acidentes”, afirma. 

E Zecca tem razão: sentar no fundo do avião é mais seguro, como já falamos aqui no Rivotravel. Informação é tudo nessa vida! Ficou curioso sobre os programas? Basta jogar “Mayday! Desastres Aéreos” no Youtube. Bom deleite (eu acho). E bom voo.