Perrengue chique? — Viagens, aerofobia e meu ódio a esta expressão

Nos últimos anos, vem sendo recorrente o uso da expressão “perrengue chique” nas redes sociais, em parte impulsionado pela página de mesmo nome no instagram. A prática referia-se, lá quando surgiu, ao ato de falar sobre alguma agrura tida como rica (“quebrei meu pé subindo a torre Eiffel”) seguido do termo supracitado, como uma espécie de salvo conduto para poder reclamar de algo que, para camadas mais baixas da sociedade, seria visto como frivolidade. Acontece que o termo passou a ser usado para qualquer infortúnio. “Arranharam meu carro. Perrengue chique”, mesmo que a pessoa nem tenha o dinheiro para pagar o conserto (o que obviamente é a realidade de muitos e muitas pessoas). Se dores de cabeça acontecem, em variadas intensidades, qual o motivo de depreciar o próprio azar?

Pedi para a IA imagens de um turista sofrendo em Paris e esta foi uma delas

Antes que me atirem pedras, um vital adendo: reconhecer os próprios privilégios é importante para uma sociedade menos desigual e mais empática. Mas isso não significa andar sempre com um chicote para o autoflagelo. É ok, sim, tirar férias, viajar de avião, conhecer lugares diferentes e ter contato com outros hábitos de vida, provar pratos novos, dentro do próprio país ou fora dele. E isso deveria ser acessível a todo mundo. Algumas pessoas bem bestas dizem que “o aeroporto hoje mais parece uma rodoviária”. Pois eu digo: se isso significa universalizar algo que era exclusivo de uma pequena parcela da população, então que bom!

De fato, muita gente faz esforços para viajar: cortam gastos supérfluos durante o ano, usam o dinheiro do salário de forma regrada e escolhem destinos não tão caros. E dizer isso é uma mera constatação. É claro que milhões de pessoas fazem essa economia no dia a dia e mesmo assim chegam ao final do mês com um saldo suficiente apenas para pegar um ônibus (de linha, não um interestadual). Isso é bem triste. Mas tem gente que consegue juntar um pouco de grana e fazer as malas e, como dizem, “tá tudo bem”. Não precisam ficar se justificando.

Isso vale para panicados e panicadas também. “Meu Deus, estou com muita ansiedade por conta do voo, não sei se vou conseguir embarcar amanhã de volta ao Brasil. Perrengue chique”, certamente já disse alguém por esse mundo afora. Mas cadê a parte glamurosa da frase? Quer coisa pior do que ter calafrios na véspera da viagem, não conseguir dormir, ir pilhado pro aeroporto e muitas vezes realmente não ter condições psicológicas de entrar no avião, muitas vezes atrapalhando os planos de parentes e amigos? De elegante não vejo nada.

O mesmo princípio pode ser usado para acidentes ou contratempos durante uma viagem. “Perdi meu celular com todas as fotos e não tinha salvo na nuvem nem feito backup”. “Tive infecção e passei a viagem toda no quarto do hotel, trancado no banheiro”. “Perdi a conexão e vou ter de desembolsar uma grana para comprar um novo voo”. Me digam onde está a parte “sofisticada” desses perrengues. Novamente: viajar é um luxo e (ainda) não é para todos. Mas isso não faz do viajante um pecador. Reclamar, para si ou para os amigos na redes sociais, pode fazer parte do pacote de viagem, sim.

Para não dizer que eu não falei de reais perrengues chiques, eu acho que a máxima pode ser usada em frases pertencentes a um universo super mega exclusivo, como: “nossa, pedi um sundae de R$150 no hotel Fasano no Rio de Janeiro e veio sem a cereja no topo, que erro!”. Isso sim seria considerado uma dor de cabeça sem cabimento.

Voltando a falar de aerofobia, é OK chorar de medo, ter crise intestinal de nervoso no aeroporto, rezar durante a turbulência (ou em qualquer fase do voo). É perrengue, claro, e não é nada glamuroso. Assim como não há problemas em assumir que tem medo de avião. Nesses sete anos de rivotravel, vi muita gente com vergonha de dizer que sofre de pavor de sair do solo. É preciso coragem para admitir as fraquezas.

Voar é caro, sim, mesmo em trechos domésticos. Se for para fora do país, então, pode custar os dois olhos da cara. Mas uma vez longe de casa, seja no estado vizinho ou do outro lado do mundo, acho que o mais legal é deixar de lado as “culpas” e curtir ao máximo. Viver intensamente e se permitir: isso sim é bem chique. E se tiver perrengue, pode postar nas redes sociais sem grilo. Ninguém vai te julgar. E se alguém te condenar por algum desabafo seu, manda a pessoa ler essa matéria aqui.