2019: um dos anos mais seguros da história da aviação — e o futuro é ainda mais esperançoso

Enfim uma boa notícia! Os aviões estão a maioria em solo, sem operar, devido ao fechamento de fronteiras ou ao medo de viajar em plena pandemia do covid-19. Então, qual é o motivo para comemorar em meio a tal cenário, sobretudo quem tem medo de voar? O fato é que a aviação está se tornando cada vez mais segura. As mortes em acidentes com aviões comerciais caíram mais de 50% em 2019. Foram 257 mortes no ano passado, contra 534 em 2018. Essa diminuição aconteceu mesmo com um crescimento de 4,2% no número de viagens. Os dados são da empresa de consultoria de aviação holandesa To70 e não incluem acidentes com aviões de pequeno porte. Em 2019, foram registrados 86 acidentes com aviões comerciais de grande porte, um a cada 5,5 milhões de voos, fazendo do ano passado um dos mais seguros para a aviação. Oito desses acidentes foram fatais, resultando em 257 mortes. Em 2018, os 160 acidentes resultaram em 534 mortes.

Fico aqui pensando se, com isso, meu medo de voar vai diminuir. Sinceramente, não sei. Lancei a pergunta no Instagram do rivotravel para saber a opinião de quem tem aerofobia. “As notícias em torno do assunto sempre me interessam, leio as ruins e as boas, mas faço um exercício mental para potencializar as boas. O fato de a aviação estar mais segura me anima um pouco mais”, afirma a bancária Andreia de Almeida Lima. Alguns comentários ficaram no meio do caminho. “Racionalmente, sei de toda a segurança. Emocionalmente, elas vão para um lugar na minha mente que eu não acesso. Saber que 2019 foi um dos anos mais seguros para voar me faz sentir mais segura. Resta saber se lembrarei disso na minha próxima turbulência”, diz a hoteleira Maria Clara Pavão.

 
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Mas o que dizem os especialistas no assunto? Mandei algumas perguntas para o CENIPA, que é o órgão do Comando da Aeronáutica responsável pelas atividades de investigação de acidentes aeronáuticos da aviação civil e da Força Aérea Brasileira. Segundo a nota enviada pela assessoria de comunicação, o aumento do nível de segurança da aviação pode ser atribuído a diversos fatores. Requisitos de certificação de aeronaves, avanço tecnológico da indústria aeronáutica, capacitação e treinamento de tripulantes, além de aprendizados advindos de investigações de acidentes e incidentes são exemplos de aspectos que possuem significativa influência na segurança de voo (incidentes são acontecimentos imprevistos sem muita gravidade). A combinação de todos esses elementos faz com que a atividade aérea alcance níveis de segurança cada vez mais elevados. A investigação de um acidente aeronáutico permite identificar fatores contribuintes relativos aos sistemas a bordo de aeronaves. A partir disso, é possível propor correções ou melhorias, tornando a aviação mais segura, diz o CENIPA.

Também ouvi para esta matéria professores e pesquisadores de universidades brasileiras. “A segurança na aviação evolui constantemente porque nenhuma vida perdida é em vão. Todo acidente é investigado e as causas encontradas, com o objetivo de criar meios de prevenção para que a mesma causa não se manifeste novamente”, afirma André Luís da Silva, coordenador do curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Eduardo Massao Sashihara, professor do curso de Aviação Civil da Universidade Anhembi Morumbi, ressalta pontos importantes, como o desenvolvimento tecnológico por parte dos fabricantes, desde novos materiais para construção de aeronaves e o refinamento de cálculos de engenharia até a automatização de processos de fabricação e montagem com novas ferramentas, equipamentos e instalações. Ele destaca ainda “as boas práticas de manutenção e operação das aeronaves por parte das companhias aéreas, contando com seleção de pessoal mais qualificado, programas de treinamento e auditorias internas frequentes, (bem como) a evolução na regulamentação, certificação e fiscalização por parte dos órgãos governamentais nos fabricantes, operadores, aeródromos e o uso intensivo de ferramentas de prevenção de acidentes”.

 
Avião da empresa ANA durante manutenção no centro especializado da companhia, no Japão. Crédito: Gilbert Sopakuwa

Avião da empresa ANA durante manutenção no centro especializado da companhia, no Japão. Crédito: Gilbert Sopakuwa

 

Uma fatalidade aeronáutica pode ser de dois tipos, ressalta o especialista da UFSM: criminal ou acidente. A esfera criminal é investigada pelos órgão de polícia, que visam punir os responsáveis e criar novos protocolos de fiscalização e controle. Ele prossegue, explicando que quando se trata de acidente, uma investigação ainda mais profunda é conduzida por três partes: a companhia aérea que opera a aeronave, o fabricante e o órgão certificador aeronáutico do país onde ocorre o acidente. “O objetivo da investigação, neste caso, não é punir os eventuais responsáveis, mas somente encontrar as causas”, diz. O assunto também merece o destaque de Jorge Eduardo Leal Medeiros, professor de transportes aéreos e aeroportos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “No caso do acidente da TAM (em Congonhas), houve uma tentativa de fazer criminalização. Mas, se criminalizar, as pessoas vão deixar de dar informações (aos investigadores). A cultura na aviação é buscar as razões (do acidente) sem criminalizar”, diz Jorge Eduardo.

O professor da UFSM explica que as causas de um acidente podem ser de ordem técnica ou humana. “As causas de ordem técnica são refletidas em novas regras de certificação aeronáutica, que visam melhorar futuros projetos, ou corrigir aviões que já operam. As causas de ordem humana visam revisar procedimentos de operação e manutenção, que são transferidos como treinamentos a pilotos, comissários, mecânicos etc”, afirma. Um exemplo recente, destaca André Luís, é o caso do avião 737 Max da Boeing. As investigações descobriram falhas em um software que, dentre outras coisas, trata do controle de ângulo de ataque (ângulo de incidência em relação ao vento). Dada a gravidade do problema, diversas autoridades aeronáuticas do mundo proibiram o 737 Max de voar até que a Boeing corrija as falhas.

 
Estudo nas falhas estruturais do De Havilland Comet é um caso clássico de como as investigações de acidentes levaram ao aumento da segurança dos voos

Estudo nas falhas estruturais do De Havilland Comet é um caso clássico de como as investigações de acidentes levaram ao aumento da segurança dos voos

 

E acidentes que levam a investigações e melhorias como no caso citado acima acontecem há muito tempo. O CENIPA destaca o caso das aeronaves De Havilland Comet na década de 1950. O órgão lembra que naquela investigação, após extensos testes em tanques de provas, os peritos chegaram à conclusão de que a propagação de trincas na fuselagem (originadas dos cantos das janelas retangulares) levava a uma falha estrutural em voo. Dessa forma, a indústria aeronáutica obteve grandes conhecimentos sobre o desenho da fuselagem, das janelas, da propagação de trincas e da fadiga nas estruturas das aeronaves, contribuindo para uma aviação cada vez mais segura.

O cenário futuro é visto como positivo no quesito segurança aérea. O Brasil é um dos países mais seguros do mundo em termos de aviação, como bem lembra o professor da USP. Além disso, com base nos dados existentes, o professor da Anhembi Morumbi analisa que é possível prever a continuidade da redução do número de acidentes fatais na aviação mundial. “Ou seja, estaremos voando dentro de uma condição segura, bem melhor do mínimo aceitável pela ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional) que é de um acidente fatal para cada um milhão de voos (atualmente, temos um acidente fatal para cada dois milhões de voos). A tendência, aponta o especialista, é o desenvolvimento de aeronaves cada vez melhores, ou seja, mais leves, econômicas, com maior confiabilidade de sistemas, estruturas mais resistentes (sem corrosão e fadiga) e com maior flexibilidade de projeto.

Ou seja, caras panicadas e panicados, está tudo soprando a nosso favor. Sei que, uma vez lá em cima, é difícil traduzir tudo isso em um voo mais tranquilo, mas vamos tentar da próxima vez?