Destinos isolados: buscas por lugares tranquilos para viajar crescem na pandemia

Com o medo de contato com aglomerações de turistas, muitas brasileiras e brasileiros têm escolhido destinos mais vazios para passar alguns dias fora da rotina de lavar saco de feijão com detergente e usar máscara até para ir na portaria do prédio. E o setor do turismo vê com bons olhos essa demanda. O Ministério da Economia divulgou em meados de setembro um relatório com os dez principais setores afetados pela pandemia. Destaque para o transporte aéreo (2º lugar na lista), o transporte interestadual e intermunicipal de passageiros (4º) e serviços de alojamento (6º).

 
Olho para um lado, olho para outro, e não vejo pessoas: um sonho?

Olho para um lado, olho para outro, e não vejo pessoas: um sonho?

 

Nesse cenário, o ecoturismo é uma boa escolha, já que os viajantes podem optar por visitar locais abertos, em contato com a natureza, afirma Fernando Santos, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens – São Paulo (Abav-SP). Ele diz ainda que, de acordo com análises do Sistema Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae-SP) e do Laboratório de Inteligência de Mercado de Viagens (TRLV Lab), aumentaram os números de buscas por palavras-chaves no Google como cachoeiras, montanha, trilha, natureza e caverna. “O estudo também aponta que as pesquisas são relacionadas a áreas próximas e que possibilitam o acesso por meio de carros dos viajantes”, diz.

Um cenário idílico foi justamente a busca feita (com sucesso) por Kaká Oliveira, maquiadora e criadora de conteúdo digital. Ela e o marido alugaram uma casa por cinco dias em São Francisco Xavier, destino no interior paulista famoso pela região montanhosa e bucólica. Foram de carro (alugado) para evitar contato com pessoas. “O critério era que fosse uma casa isolada e não hotel. Queríamos que fosse confortável e com natureza por perto, para descansar. Também queríamos uma cozinha equipada pra cozinhar e não ter que sair pra comer e acabar encontrando outras pessoas”, conta Kaká, que acrescenta: “Estávamos há cerca de três meses em quarentena e a cabeça começa a cansar de só ver parede”, diz a moradora de São Paulo. A rotina na casa alugada era dividida entre fazer comidas gostosas, leituras e momentos apreciando a vista. De noite, a programação incluía ver séries. Todas as refeições foram preparadas e consumidas lá mesmo. “Não pudemos conhecer a cidade, que é super fofa. Mas escolhemos uma casa que tivesse justamente a possibilidade de ser agradável por si só”, observa a maquiadora. O preço pago estava na média da região. “Mas voltei a olhar o valor da casa em setembro e aumentou 50% o valor da diária”, afirma.

 
Kaká e o marido alugaram uma casa na região de São Francisco Xavier (SP)

Kaká e o marido alugaram uma casa na região de São Francisco Xavier (SP)

 

Seja no campo, na cidade ou numa casinha de sapê (vixe, citei Kid Abelha nesta matéria…), é importante não relaxar com os cuidados, mesmo em destinos mais tranquilos. “Enquanto não disponibilizarmos uma vacina, o perigo estará lá ao lado. As pessoas precisam ter a compreensão que a pandemia não terminou, e que talvez o pior ainda não tenha passado. Temos visto o relaxamento do uso de máscaras”, afirma a infectologista Tânia Chaves, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia. Ela recomenda que o viajante procure informações de fontes seguras sobre a dinâmica da pandemia no local de destino. Um aspecto importante citado por Tânia é que sejam evitadas viagens em grupos e, claro, aglomerações.

Apesar de ainda não ter estatísticas, Luiz Del Vigna, diretor-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta) confirma que há uma retomada do setor. “Estar junto à natureza, viver mais ao ar livre, traz muitos benefícios à saúde. Isso está comprovado por vários estudos científicos”, afirma Luiz. A associação aproveitou para elaborar um Manual de Boas Práticas que orienta os profissionais das atividades do turismo de natureza, como realizar os procedimentos sanitários para diminuir os riscos de propagação do vírus. O material está disponível no site e pode ser obtido de forma gratuita por quem se interessar. Já a Abav-SP e a Associação das Agências de Viagens do Interior do Estado de São Paulo (Aviesp) encaminharam para os agentes de viagens diversos protocolos de segurança em prevenção ao novo coronavírus. Além disso, realizaram lives pela internet com especialistas do setor para instruir os profissionais. As associações também passaram orientações sobre uma nova rotina com reforço na higienização e novos hábitos durante a jornada de trabalho e no cotidiano fora dos empreendimentos. Os viajantes também podem ler o guia do viajante responsável aqui.

Foi justamente em busca dessa paz que o casal formado pela arquiteta Rennata Magalhães e o gestor de tecnologia da informação Victor Teles buscaram quando saíram de Vitória para Conquista (BA), no fim de setembro, rumo a Taipu de Fora, no litoral baiano. Lá, alugaram pelo um chalé inteiro (com cozinha equipada)  em uma ecovila com apenas três unidades. A viagem foi em carro próprio com apenas uma parada na ida e outra na volta, para abastecer o veículo e ir ao banheiro. O perfil da viagem do casal (bem como a de Kaká e do marido) vai ao encontro daquele descrito por Fernando Santos: “No Brasil é provável que os turistas iniciem seus roteiros com trajetos dentro do próprio Estado e, depois, para regiões vizinhas. Os deslocamentos terrestres, isto é, que são feitos de carro ou ônibus, podem ser uma grande aposta para esse começo”.

 
Victor e Rennata em uma praia bem tranquila em Taipu de Fora (BA)

Victor e Rennata em uma praia bem tranquila em Taipu de Fora (BA)

 

A viagem do casal de Vitória da Conquista chegou em boa hora. “Para gente era importante ir a um lugar onde pudéssemos passar um tempo ao ar livre de forma segura, por isso pensamos em destinos com praias. Descartamos logo as praias urbanas por conta da possível aglomeração. Outra condição era a proximidade, pois teríamos que ter acesso de carro, então descartamos praias acessíveis por barcos (como a Ilha de Boipeba, por exemplo)”, conta a arquiteta. Ela relata que desde março estão em quarentena total, trabalhando em home office (em um apartamento relativamente pequeno). Depois de tantos meses, sentiram a necessidade de espairecer um pouco, mudar de ambiente, e principalmente ter algum contato com a natureza. “Para acessar a Península de Marau havia uma barreira sanitária exigindo dos turistas um teste negativo de Covid-19 realizado nas últimas 72h. Essa foi uma surpresa positiva depois de ter escolhido nosso destino, o que nos fez sentir ainda mais seguros. Logo depois que voltamos da viagem, vimos que a Prefeitura de Marau suspendeu a barreira sanitária”, relata Victor. Os dois levaram para o chalé os alimentos que consumiram na estadia, utensílios e roupas de cama e banho, além de um kit básico de limpeza para higienizar o local no dia da chegada. Durante a viagem, circularam apenas por locais e praias sem aglomeração, sempre mantendo distanciamento dos outros grupos e evitando dias e horários de maior movimento em algumas praias (como o domingo, por exemplo). Também usaram máscara sempre que havia alguma aproximação com outras pessoas.

As praias do Nordeste estão em alta nessa retomada do turismo interno. O presidente da Abav-SP cita uma pesquisa coordenada pela Mapie Consultoria que mostra o interesse por viagens domésticas. Nela, explica Fernando, o Nordeste possui uma procura maior para o pós-pandemia, com 26% das intenções. Depois estão as praias da região do entrevistado (14%), a Serra Gaúcha (11%) e o Rio de Janeiro (8%). Vale ressaltar que a busca por locais internacionais ainda é pequena, sendo que Europa e Estados Unidos tiveram apenas 8% cada um; atrás deles ficaram os destinos da América do Sul (4%) e do Caribe (2%). “Já a Ásia e a África não receberam nenhum voto, o que comprova que os brasileiros não pretendem se deslocar para tão longe”, observa Fernando.

Quem também aproveitou o turismo dentro do próprio Estado onde mora foi o jornalista Pedro Fernandes, que reside na capital paulistana e passou, em agosto, quatro dia em uma casa alugada em Mairiporã com o namorado. Como não sabem dirigir, usaram os serviços do Uber. “Fomos de máscara e álcool gel em punho. O Uber e a 99 instalaram divisórias de plástico entre o banco do motorista e o dos passageiros, o que dá um pouco mais de segurança e viajamos de janelas abertas. Foi um pouco engraçado a sensação de entrar em um carro depois de cinco meses”, relata. O jornalista conta que aproveitou um período de 18 dias de férias para viajar. Assim, buscou evitar a ansiedade que teve em abril, por estar em quarentena e sem trabalhar por causa de outro período de férias. “Ficar em casa, pensando em doença, sem ocupar a cabeça com outra atividade, me fez muito mal. Depois de cinco meses de isolamento, também estava cansado e estressado, então achei que seria melhor sair de casa para mudar de ares e relaxar um pouco”, diz.

 
Pedro e o namorado aproveitam deck da piscina da casa alugada em Mairiporã (SP)

Pedro e o namorado aproveitam deck da piscina da casa alugada em Mairiporã (SP)

 

Ele conta que o Airbnb passou alguma segurança em relação à higienização das instalações. Mas, por precaução, levaram uma lata do desinfetante Lysoform, que foi usado nas superfícies da casa que teriam contato. Mas, prossegue, eles estavam cientes de que não seria possível desinfetar tudo e que teriam que confiar na limpeza feita pelo anfitrião e suspender as preocupações para que pudessem de fato relaxar e aproveitar a estadia. Pedro descreve como foi a breve temporada na localidade, na Serra da Cantareira: “Os dias foram de dolce far niente. Acordar, ouvir os pássaros, tomar sol na beira da piscina, aproveitar o silêncio, ver filmes e séries, tomar vinho no ofurô ao pôr do sol”.

Estou quase correndo pro Google em busca de um destino assim. Mas, por enquanto, a rotina tem sido ouvir os pássaros que comem as sementinhas das plantas do canteiro aqui de casa, tomar sol no chão da sala e tomar água sentado no computador no fim da tarde.

Mas um dia…

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