Medo de voar e vícios: questão de falta de força de vontade?

Posso estar redondamente enganado, mas acho que há alguns paralelos entre o medo de voar e os vícios. Vejam bem, não estou dizendo que são coisas iguais, mas que é possível encontrar similaridades, sobretudo na forma como as outras pessoas reagem quando sabem que carregamos essas limitações nas nossas bagagens.

 
 

Já, já, falo aqui do medo de voar. Mas antes deixa eu contar uma coisa que depois vocês vão ver que faz todo o sentido.

Analisem meu caso. Eu era fumante até o início da pandemia chegar forte aqui no Brasil, em março de 2020. Como o vírus ataca sobretudo o sistema respiratório, fiquei em pânico. Meu pai, que foi fumante por décadas, morreu idoso após detectado um câncer de pulmão. Acompanhei de perto seu triste fim. Ele “puxava o ar”, mas mesmo assim não conseguia respirar. Tudo isso (Covid e câncer) se misturou em minha cabeça super ansiosa e resolvi parar. E consegui. Até duas semanas atrás. O anúncio do fim da obrigatoriedade do uso de máscaras aqui em Salvador, onde moro atualmente, me trouxe novamente ao estado de pura ansiedade. E o que um viciado faz quando está assim? Fuma. E voltei ao tabagismo. Por quanto tempo? Não sei (espero que volte a parar em breve). Mas esse não é o ponto.

O ponto mesmo que eu quero chegar é que, muitas vezes (e quando eu digo isso são muitas mesmo) quem fuma ouve frases como “parar é falta de vontade”. Geralmente quando esses conselhos chegam da boca de um ex-fumante a coisa fica ainda pior. “Eu mesmo fumava duas carteiras de cigarro por dia, parei quando quis”. Eu faço cara de paisagem. Não estou negando a importância da força de vontade na hora de parar um vicio. Mas quem tem um vício é o quê? Sim, viciado! E na maioria das vezes quem quer parar de fumar precisa de muletas. Da família, amigos, chicletes e adesivo de nicotina, de grupos de apoio, tem a necessidade de fugir de antigos hábitos (evitar gatilhos como bebida alcoólica e café, por exemplo). Até mesmo de remédios específicos para tal finalidade.

E o que o medo de voar tem a ver com tudo isso?

Muitas vezes, chegam a mim relatos de panicadas e panicados que se dizem vítimas de incompreensão por parte de quem não sofre de aerofobia, sobretudo de familiares e amigos (ou seja, em quem mais buscamos ajuda na hora do aperto). “Ah, medo de avião é bobagem, você precisa ter força de vontade”. Relatos assim ou bem próximo a esse abundam em nossas vidas.

Você precisa ter força de vontade. Olhe bem essa frase. Dá vontade, sim, é de responder algo como “Jura, amado? E onde encontro? Fui no mercado ontem e estava em falta”. Quantas vezes uma pessoa que tem pavor de aeronaves já pensou em desistir — ou mesmo desistiu — de um voo? Uma viagem de férias, com a pessoa amada ao lado, ou sozinha mesmo, um momento que seria para relaxar, para conhecer novas culturas, para sei lá o quê. E para quem já abandonou os planos e ficou em casa, por puro temor de entrar em um avião, para essa pobre criatura faltou vontade de ir? Ela preferiu ficar olhando pro teto em casa e não mergulhar nas águas mornas de Fortaleza, não ver a exposição que tanto queria admirar no MASP, não ir finalmente conhecer a sobrinha que já vai completar quatro anos e que mora no Canadá com a mãe?

Todos os motivos para embarcar são válidos. Mas o medo de voar muitas vezes é um gigante de mil braços contra o qual não temos armar para lutar. Até temos: terapia, meditações, leituras (olha o rivotravel aqui), medicação. Mas e quando, mesmo assim, o bicho é mais forte? Falta vontade nessa hora? Não estou inventando nada, não, gente. Juro. Recebo cada relato aterrorizaste por mensagem direta do instagram ou por e-mail.

E se o conselho “do bem”, aquele tal do “tenha força de vontade”, se ele vier de um estranho sentado ao seu lado, a 40 mil pés? Aí você para e pensa: quem juntou energia para sair de casa, mesmo com vontade de ficar sob as cobertas? Quem, mesmo se arrastando, pegou as malas e chamou um uber para o aeroporto? Quem foi forte o suficiente para não desistir no meio do caminho e se segurou para não pedir ao motorista para dar meia-volta? Quem, em uma tarefa hercúlea, fez o check-in, caminhou de maneira trôpega ao embarque e de fato entrou no avião? E que, agora, está ouvindo baboseira de uma pessoa que nunca viu antes, que não sabe nada de sua vida, dizendo para ter força de vontade?

Olha, força de vontade é para não mandar o abelhudo para aquele país, direto em um voo sem escalas.

Voltando aos vícios, um exemplo: jogos de azar nunca foram o meu forte (ainda usam esse termo “jogos de azar”? Acho tão antiquado). Mas sei que é algo que pode viciar tanto quanto drogas ilícitas, álcool ou cigarro. Vou dizer alguma coisa para um sujeito que já vendeu o carro para pagar dívidas com outros jogadores? “Tenha força de vontade”? Me soa até mesmo cruel. Um vício, assim como uma fobia, é algo muito forte, mexe com o psicológico, com o irracional.

Vontade eu tenho é de dar um forte grito quando me dizem besteiras. Acho que da próxima vez vou arriscar fazer isso. Assim, pelo menos a pessoa chata sai de perto.

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