Países buscam limitar voos domésticos curtos — e isso pode ser bom para quem tem medo de voar

O mês de abril de 2021 pode ser considerado um marco na luta de ambientalista contra os voos, sobretudo aqueles de curta duração, que poderiam ser substituídos por outros meios de transporte menos poluentes, como o trem. No dia 10, os legisladores da França aprovaram a proibição das rotas aéreas que podem ser percorridas pela malha ferroviária daquele país em até duas horas e meia. A medida faz parte de um pacote mais amplo que visa cortar as emissões de carbono em 40% nos próximos nove anos. Com a decisão, os voos diretos como aqueles entre Paris e Lyon, nos quais a viagem de cerca de 400 quilômetros é feita em menos de duas horas de trem, serão proibidos. Assim como as ligações entre a capital francesa e Nantes. O projeto gerou muito debate. Os ambientalistas desejavam a aprovação na íntegra da Convenção dos Cidadãos pelo Clima. O texto previa a suspensão dos voos domésticos que tivessem como alternativa uma viagem de trem direta com até quatro horas de duração.

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A batalha entre os defensores do meio ambiente e as companhias aéreas é antiga. Abordamos um pouco sobre o tema nesta outra matéria aqui. A ativista sueca Greta Thunberg se recusa, desde 2015, a entrar em um avião por conta da alta emissão de carbono gerada por esse meio de transporte. O principal vilão é justamente a queima de combustíveis fósseis, substâncias de origem mineral, como o carvão, o gás natural e os derivados do petróleo, a exemplo da gasolina e do óleo diesel, usados para gerar energia. Entra nessa conta o querosene de aviação (QAV).

No dia 21 deste mês, notícias similares chegaram da Noruega. A iniciativa do país nórdico propõe limitar o número de voos que uma pessoa tem direito a pegar por lá em um ano. A cota anual de voo levaria em consideração a localidade onde a pessoa mora e sua acessibilidade, e também fatores socioeconômicos. A ideia, assim como na França, é reduzir o uso do avião e incentivar o uso do trem. Implementar isto não é fácil, explica o site especializado Aeroin. Ao contrário de outros paísesl, que contam com trens de alta velocidade como o francês TGV e o alemão ICE, a Noruega não tem trens tão rápidos. A rede em si é relativamente boa e conectada, mas uma viagem de trem de Oslo para Bergen, que são as duas maiores cidades do país, dura seis horas. Já de avião o trajeto é feito em apenas 40 minutos. Nota: eu e o editor do rivotravel já fizemos o trecho entre as duas cidades norueguesas e de fato demora, mas as paisagens em compensação são belíssimas.

E na segunda-feira passada, a TAP Air Portugal anunciou ter firmado um acordo para venda de passagens ferroviárias complementares às rotas operadas para o país europeu. Ou seja, alguém que vai para uma cidade pequena de Portugal ou países próximos como a Espanha pode comprar o bilhete no trecho aéreo (até Lisboa) e já adquirir a parte ferroviária da viagem. Isso é uma boa notícia, pois a TAP é a opção de muitas brasileiras e brasileiros que têm a Europa como destino – é a companhia aérea que mais atende cidades brasileiras.

 
Trem norueguês que faz a rota de Oslo até Bergen, as duas maiores cidades da Noruega. Crédito: Kamil Porembinski/ Creative Commons

Trem norueguês que faz a rota de Oslo até Bergen, as duas maiores cidades da Noruega. Crédito: Kamil Porembinski/ Creative Commons

 

No Brasil a medida poderia perfeitamente funcionar. Segundo o relatório mais recente da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA), das dez rotas domésticas mais movimentadas na região em 2018, cinco são entre cidades brasileiras, todas relativamente próximas: São Paulo – Rio de Janeiro (em primeiro lugar na lista com quase oito milhões de passageiros por ano), São Paulo – Porto Alegre (terceiro lugar e 4,5 milhões de passageiros), São Paulo – Brasília (quinto lugar, com pouco mais de 4 milhões de passageiros), São Paulo – Belo Horizonte (sexto lugar, também com pouco mais de 4 milhões de passageiros) e São Paulo – Curitiba, com cerca de 3,5 milhões de passageiros).

O problema, como todos os que moram no Brasil certamente sabem, é que a malha ferroviária para transporte de pessoas é inexistente no país, que priorizou, por interesses econômicos, o transporte rodoviário no século XX (e assim segue fazendo). Na década passada houve uma tentativa de mudar minimamente isso, mas o projeto não saiu do papel. O Trem de Alta Velocidade Rio-São Paulo era a principal linha do projeto do governo federal para trens de alta velocidade no Brasil e teria a função de interligar as duas principais metrópoles: Rio e São Paulo.

Bem, enquanto isso, sofremos nós, panicadas e panicados. Não seria ótimo poder se deslocar em nosso país sem sair do chão? Ir de São Paulo ao Rio sem precisar sofrer com as pistas curtas dos aeroportos de Congonhas e Santos Dumont (apesar de pista curta ser segura, como podemos ver nessa matéria do rivotravel. Não sei vocês, mas eu amo viajar de trem. Sempre que estou na Europa tento priorizar o deslocamento ferroviário. Acho ótimo. Tem preços competitivos, oferecem lindas paisagens (é fantástico ir vendo as mudanças graduais das regiões que vão sendo percorridas), são pontuais, oferecem bem mais espaços para as pernas e, sobretudo, saem e chegam nos centros da cidades. Então só nisso aí já dá para eliminar o trajeto até o aeroporto (muitas vezes leva-se mais de uma hora para chegar, a depender de onde a pessoa está hospedada e também do trânsito) e as duas horas de antecedência que as empresas aéreas costumam pedir para serem respeitadas aos que vão voar. Com trem é só chegar, entrar e pronto.

Mas tem gente que tem pânico por estar em um lugar fechado. Para essas pessoas o trem não oferece muita solução. Mas pelo menos dá para esticar o corpo (mesmo que tão rapidamente) nas curtas paradas pelas cidades no caminho. Ou então circular um pouco pelos vagões – se tiver um só para o bar e restaurante aí é melhor ainda. Tomar um drink vendo lá fora. Não há o charme dos filmes de Agatha Christie, é bem verdade.

Mas pelo menos não há assassinatos.

Não sei vocês, mas só vejo benefícios.