Planejamento / Improviso em viagens: uma equação difícil de resolver?

Querer algo e não conseguir realizar sempre traz uma certa dose de frustração. E com os viajantes não seria diferente. Uma atração turística com ingressos esgotados, um restaurante que não aceita mais reservas no período de estadia na cidade, um passeio romântico cujo grupo saiu cinco minutos atrás. Na minha última viagem, o objeto desejado, porém não alcançado, foi o Alcázar Real de Sevilha, um complexo de palácio de diversas épocas situado na capital da Andaluzia cujos destaques são os jardins e as arquiteturas árabe e medieval.

 
 

Na verdade, cheguei “verde” em Sevilha. Contrariando minhas experiências anteriores, resolvi encarar esse tour como quem vê as coisas pela primeira vez. Não sabia absolutamente nada sobre a cidade, apenas sobre a famosa feria, um grande festival que para a cidade e exalta a cultura local por uma semana. E foi só chegando lá, ao sair da indescritível catedral, que descobri a existência desse maravilhoso complexo de edificações ao me deparar com a maciça muralha.

Viajar sem pesquisar bastante sobre o destino seria algo impensável para mim até anos atrás. Mas nessa minha primeira grande “saída de casa” pós-pandemia (já havia feito outros passeios, porém mais curtos, em 2023, como São Paulo, Brasília e Chapada dos Veadeiros, em Goiás) eu resolvi encarar tudo com olhos frescos. Claro que houve um mínimo de programação: comprar todas as passagens de avião e trem, alugar hospedagens e o carro. Ou seja, o básico. Mas o que fazer em cada destino seria decidido na hora. Sem pressa, respeitando o tempo de cada um (na primeira parte da viagem, a italiana e lisboeta, com minha mãe; a segunda, a espanhola, com um casal de amigos).

Eu era freak control total. Lembro perfeitamente de uma ida a Roma em 2017. Li um livro maravilhoso sobre a cidade, um guia totalmente diferente de todos os que já li, com relatos pessoais e pouco conhecidos coletados com escritores, arquitetos, arqueólogos e historiadores. Fiz até um roteiro do que ver em cada dia, olhando no mapa as atrações que estavam perto uma da outra, de modo a não deixar passar nada. Na ocasião, tal estratégia foi incrível. Hoje, creio que não faria mais isso. Talvez as incertezas trazidas com o novo coronavírus (não temos controle de nada nesse mundo) associadas ao tema da pesquisa de mestrado de meu marido (que, entre outras mil coisas, fala do caminhar sem rumo pela cidade) tenham mudado meu modo de encarar as coisas.

 

Claustro medieval ao lado da Basílica dos Santi Quattro Coronati, em Roma. Pouquíssimos turistas, grande beleza em minha viagem de 2017 a Roma: tudo detalhado nos mínimos detalhes (crédito: Lalupa/ Creative Commons)

 

Essa, por exemplo, foi minha terceira ida a Lisboa. Mesmo assim, sai de lá com a impressão que “não vi tudo” sobre a cidade. E isso é ótimo! Pois, assim, voltar outra vez à capital portuguesa pode me reservar novas surpresas. Se mesmo as coisas que já conhecemos sempre podem nos revelar novas facetas quando “redescobertas”, o que dizer então de algo ainda não visto? Quantas viagens são necessárias para “ver tudo” de uma cidade? Ou de um bairro? Aliás, é possível “ver tudo”? Estamos aqui falando só do que é apreendido pela visão?

Voltando ao exemplo de Sevilha. No dia que decidimos ir ao Alcázar, os ingressos estavam esgotados. E na manhã seguinte partiríamos para Barcelona. Confesso que cheguei até a procurar algum cambista ao longo da enorme fila (a de quem já tinha bilhetes para a visitação). Mas a julgar pela minha experiência, o famoso comércio paralelo de tíquetes não chegou à Espanha.

 

Alcázar Real de Sevilha vai ficar para uma próxima visita à cidade (crédito: Bjorn/ Creative Commons)

 

É claro que fiquei chateado com a falta de planejamento ou de sorte. Queria muito ver o palácio por dentro. Mas fazer o quê? Escalar o muro? Talvez fosse aplaudido, com parte do público achando que era um protesto contra o genocídio em Gaza, outra pensando ser um flashmob e até mesmo sendo ovacionado por alguns turistas que julgariam meu ato como parte de uma encenação, revivendo antigas guerras e invasões ao local. Certamente iria passar algumas horas na delegacia a dar explicações.

E, muitas vezes uma pitada de sorte e atenção ajuda o viajante. Na milenar cidade italiana de Matera, já na fase de escolha de onde ficar, vi que aquele monte de ladeiras estreitas seria quase impenetrável para minha mãe. Temi. Mas deixei ao acaso. Chegando ao hotel, pedi dica de agências turísticas com excursões pela cidade. Nos indicaram uma, que fazia o percurso básico em ônibus. Pois lá fomos nós, devagarinho, em direção ao ponto de partida do tour. No caminho, notei um pequeno carro amarelo, conversível, na rua. Parei imediatamente e me informei: era um serviço de visitas personalizadas. Não tive dúvidas: ali mesmo agendei. Só tinha horário para duas horas depois. Sem problemas. Sentamos numa mesa de um bar na frente de onde estávamos, sem escolher muito onde ir. Comemos, bebemos vinho, papeamos, fumei uns tantos cigarros e, no horário marcado, lá estávamos nós dentro do carrinho. Custou o dobro do passeio de ônibus (que com toda certeza não entrou nas ruelas por onde o conversível passou). Mas valeu cada centavo. É aquela coisa: gastei um monte de dinheiro, energia e tempo para chegar naquela cidade. Vou economizar justo na hora do “vamo ver” (literalmente)?

 

Minha mãe e eu em Matera. Ao fundo, cavernas onde a cidade começou, em época pré-histórica

 

Vimos tudo de Matera? Claro que não. Hoje não tenho mais essa ânsia. E nem tenho mais o pique de pular da cama às 6h e só voltar meia-noite ao hotel (acho até que minha mãe, aos 84 anos, tem mais gás que eu). Amadureci ou envelheci? Talvez os dois, e olha que eles nem sempre andam de mãos dadas. Mas que no meu caso, pelo menos no quesito viajante, estão caminhando juntinhos. Que assim permaneça. Sobre o título desta matéria, entre o planejamento e o improviso, estou mais para o “deixa a vida me levar”. Até porque a morte não programa nossa viagem final.

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