Voos rotineiros: quando o inferno é uma constante, a tensão diminui?
Houve uma época de minha vida em que eu voava muito, pelo menos uma vez ao mês, a trabalho. Sempre viajava dopado (com prescrição médica) para poder suportar o pavor de entrar em uma aeronave. Chegando ao destino, para poder estar minimamente apresentável, me enchia de café ou bebida energética. Foi pensando nisso que cheguei ao tema dessa matéria: panicadas que precisam, por diversos motivos, enfrentar seu objeto de fobia com certa frequência.
Será que ser passageiro frequente traz algum impacto na aerofobia?
A empresária Bruna Sebastião de Queiroz adora viajar, a ponto de fazer pelo menos três viagens a lazer por ano — mas odeia ter de se deslocar de avião mundo afora. O amor é tão grande que, quando pedi fotos para ilustrar este texto, mandou belas imagens em diversos países, de resorts ensolarados a paisagens na neve, passando por pontos turísticos da Itália, França e Grécia, por exemplo. “O avião sempre foi um problema porque, como eu sinto muito medo, por muitas vezes eu penso em desistir da viagem para não ter que passar pelo voo. Mas, comecei a enfrentar, já que não tem outro jeito. Por mais que eu ache muito difícil voar, eu sempre acho que vale muito a pena a experiência do passeio”, conta Bruna.
Quem também faz as malas muitas vezes ao ano é a empresária Catarina Ribeiro. “Viajo com frequência porque comecei a namorar um rapaz argentino e nosso combinado para conseguir manter o relacionamento saudável é se ver uma vez por mês. A gente alterna as idas e vindas, então pelo menos de dois em dois meses eu estou viajando”, afirma.
E será que acumular voos na bagagem ajuda a enfrentar melhor o problema? As opiniões das duas são similares. Catarina diz que com as viagens mais frequentes o medo diminuiu. “Comecei a naturalizar mais. Terapia ajuda demais, encontrei respostas, é muito louco pensar nisso. Depois você vai se acostumando com os barulhos, com as turbulências, até com o que tinha muito medo. Ele não desaparece, mas consigo controlá-lo melhor”, relata. Bruna, por sua vez, diz que nos últimos seis anos, quando começou a voar mais, percebeu que a aerofobia diminuiu. “Eu já fiz terapia, hipnose, tudo, e nunca achei que melhorava. Hoje, eu acho que a experiência de voar com frequência foi o que fez o meu medo diminuir, mas eu sempre vou ter medo e já aceitei isso”, observa, acrescentando que tem se acostumado com os sons e os movimentos do avião. “As sensações que eu já sei que vou sentir me fazem não me assustar tanto, pois já sei o que esperar e já sei que sempre está tudo bem, que não vai acontecer nada. Então, ao longo desses anos hoje eu faço viagens que eu juro, nunca pensei que eu conseguiria, eu chorava pensando que nunca conheceria os lugares que eu sonhava porque como eu ficaria 15 horas dentro de um avião e eu consegui. Chorei um pouquinho em alguns momentos, mas consegui me acostumar e consegui realizar alguns sonhos de destinos”, pontua.
Bruna em passeio pela Suíça, em 2023; e durante voo de São Paulo para Dubai, em 2024, do jeito que a amante de viagens mais gosta: pertinho da aeromoça
A psicóloga Helga Rodrigues (@drahelgarodrigues no Instagram) pesquisou sobre o medo de voar em sua tese de doutorado em Psiquiatria e Saúde Mental na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e reforça o relato de Catarina. Ela afirma que a exposição ao objeto do medo deve ser feita com o acompanhamento de um psicólogo na abordagem cognitivo-comportamental de forma gradual e muito bem planejada. “Se a pessoa fizer a exposição ao objeto temido de forma não planejada, sem a ajuda de um profissional especializado, pode haver piora do quadro. Os itens da exposição são enfrentados de forma gradual, começando com a exposição através da imaginação no consultório do psicólogo. Outros recursos como imagens, vídeos e áudios são também incluídos nessa lista hierárquica de exposição, incluindo itens mais fáceis até os mais difíceis de enfrentamento, até que a pessoa faça um voo real”, afirma a psicóloga, que por conta da formação e por ser coautora de um livro sobre o assunto costuma receber em seu consultório muitos panicados.
Por conta da frequência acima da média de viagens, as panicadas entrevistadas pelo rivotravel para esta matéria contam que foram desenvolvendo ao longo dos anos alguns truques ou superstições para tornar a experiência de voar menos traumática. Bruna, por exemplo, só voa na janela, porque olhar para fora a ajuda um pouco (inclusive o cantor Nando Reis também é assim e isso já rendeu um texto aqui no site). Ela também sempre opta por assentos em frente aos comissários de bordo, como as primeiras fileiras (leia mais sobre isso clicando aqui), ou os assentos da saída de emergência. E sempre que entra no avião, vai conversar com algum comissário que tiver o rosto mais simpático e bonzinho, relata Bruna, e conta que tem medo de voar. “(Peço) que ele me ajude conversando comigo às vezes durante o voo para me confirmar que está indo tudo bem”, diz a empresária, que também prefere chegar com antecedência no aeroporto e entrar antes no avião, para já ir se acostumando (isso também já foi tema aqui no rivotravel). “Quando eu fazia as coisas com pouco tempo e meio atrasada, sempre me deixava ainda mais ansiosa. Ah, e eu gosto de ficar no banheiro do avião, eu não sei o porquê, mas eu me sinto mais calma, então eu vou muitas vezes ao banheiro e fico lá sentada um pouco”, diz Bruna.
Sorrindo ou chorando, Catarina reúne as forças e viaja a cada dois meses para encontrar o amado na Argentina
Catarina, que já deixou de viajar com o ingresso de um show comprado e que já pediu para descer de um avião durante uma escala (mas foi convencida pela tripulação a continuar), também tem suas formas de se acalmar, desenvolvidas ao longo dos anos. “Tenho uma roupa inteira que praticamente só uso para viajar. Só viajo com ela. Também entro no avião com o pé direito, dou um beijinho na fuselagem e agarro uma foto de minha avó paterna para que ela vigie meu voo. Enquanto decola, que é a parte que me dá mais medo, eu fico repetindo um mantra que eu inventei: é seguro, é seguro, é seguro”, conta, entre risadas.
A psicóloga corrobora a tese das panicadas: buscar informações confiáveis que desmistifiquem muitas das ideias errôneas sobre avião é muito importante. “Por exemplo, saber que avião é o meio de transporte mais seguro que existe, o entendimento dos tipos de turbulência e o porquê das turbulências, que, a princípio, não são perigosas para a segurança do avião. Além disso, a terapia cognitivo-comportamental vai incluir também no tratamento essa parte que a gente chama de psicoeducação sobre o medo de avião. E, em alguns casos, medicações podem ajudar, em um primeiro momento, para a pessoa que está evitando totalmente um voo”, explica.
Comigo isso também ocorre. Quando eu pego muitos voos em um ano, percebo que parece que vou lidando melhor com o medo de voar. Que vou”dialogando”com ele. A terapia ajudou bastante. E, assim como Bruna e Catarina, só embarco sabendo que ali comigo está um remedinhos para as horas difíceis. Sempre prescrito pelo médico, é claro. Como diz o ditado, “eu sou doido, mas não sou maluco, não”.