Todo voo tem seu fim: ansiedade e o medo de voar

Nesses anos de rivotravel no ar tenho percebido que muitos casos de panicadas e panicados relatados aqui são de aerofobia associada a ansiedade. E ontem, quando coloquei a cabeça no travesseiro para dormir, fui inundado por minhas próprias angústias, mesmo estando em solo e sem perspectivas de voar. Na hora, não sei bem o motivo, me veio à mente a música Todo carnaval tem seu fim, da banda Los Hermanos. Lembrei não propriamente da letra, pois confesso que nem me recordo direito, mas no título da canção. E comigo é bem isso. Costumo sempre sofrer por antecipação, estou sempre ligado à finitude das coisas. Antes de comer um prato de comida, por exemplo, eu já penso: “droga, ele vai acabar. Então, pra que comer?”. Isso vale pra tudo. Para um filme, uma viagem, um carnaval — apesar de amar carnaval, sempre ficava com aquele gostinho de “ele vai acabar na quarta-feira de cinzas e isso me deixa triste”. Fico toda hora antecipando o término de uma prazerosa experiencia e nem consigo vivê-la por já estar imerso naquela angústia que eu mesmo criei.

 
 

Acho que isso tem muito a ver com a ansiedade, que está longe de ser exclusiva de quem tem medo de voar. Hoje é algo muito presente em nossa sociedade, pelo menos é o que leio em matérias sobre o assunto. E como eu tento lidar com isso, com essa agonia? Dou um exemplo gastronômico. Se eu vou comer um doce, lá vem o pensamento negativo dizendo “já já ele vai acabar e você não terá nem a sombra do gosto dele, já terá se esvaído”. E o que eu tenho feito? Corto o danado do bombom em pedaços bem pequenos e vou degustando pausadamente, tentando ao máximo focar no sabor (como amo um doce, chego a fechar os olhos para aproveitar cada segundo, cada mordida). Ele acaba, é claro. Mas fico com a felicidade de que, pelo menos, pude aproveitar cada instante daquele gosto em minha boca.

Acho que é isso. E tem mais. Creio que temos de encontrar pequenos prazeres e poder vivenciar ao máximo cada um deles (autoajuda no rivotravel gritando aqui). E esquecer as coisas ruins. Meu marido ama comprar um doce de cupuaçu. Não sou dos maiores fãs da fruta típica da região Norte do Brasil. Mas sigo meu ritual de cortar em pedaços pequenos (dar pequenas mordidas também serve) e tentar focar a mente (e as papilas gustativas) na camada de chocolate que cobre o bombom. O azedinho do cupuaçu também está lá, mas tento não dar muita importância para ele. Deixar o que não gosto em segundo plano.

Arrisco a fazer um paralelo com o medo de voar. Podemos tentar encontrar esses pequenos prazeres dentro de um avião. Já repararam como as comissárias e comissários de bordo, pelo menos no Brasil, estão sempre de bom humor? Olhar para eles chega a ser um bálsamo, uma certeza de que as coisas estão indo tudo bem, que é possível encontrar um oásis de felicidade mesmo a 12 mil metros de altitude. Outro ponto interessante é ver a alegria entre os passageiros, como nas famílias felizes viajando ou em quem parece embarcar em uma aeronave pela primeira vez. E quem sabe até tentar criar histórias fictícias na cabeça para cada um a bordo. Aquele casal ali está saindo de lua de mel, certeza. Já aquela moça está indo pra formatura do filho, olha como ela está feliz.

O executivo compenetrado com o laptop aberto na mesinha deve gostar do trabalho (mesmo que ele não goste, é bom pra gente pensar que ele ama o que faz, é interessante criar essa redoma positiva). E, se ao olharmos pela janela nós prestássemos atenção às formações das nuvens? Já repararam que as crianças amam fazer isso e se divertem bastante? Procurar simetrias (“olha, aquela nuvem ali parece um pedaço de pizza”). E aposto que os pequenos viajantes não têm aerofobia, condição mais presente em gente grande. Olhar pela janela não é sua praia? Não tem problema. Dá pra levar para o voo aquele filme que funciona como um carinho na alma, aquele que você já viu várias vezes e a quem sempre recorre em momentos difíceis. Eu chamo esses filmes de confort movies, pois têm o poder de nos colocar para cima, mudar nosso astral. Não sei os seus, mas os meus incluem a comédia teen Meninas Malvadas e o clássico da Hollywood dos anos 1950 Sunset Boulevard.

E quando menos percebemos, senhores passageiros, estamos em procedimento de descida para nosso destino. E quem sabe, junto com o anúncio do comandante, a gente consiga chutar para escanteio, mesmo que momentaneamente, o medo de voar? Que tal tentar isso da próxima vez?

O nosso destino final é inevitável (sim, estou falando de nossa morte mesmo). Cientes disso, por que então não tentar curtir a viagem, não só a de avião, mas todas as outras, aquelas cotidianas, mesmo sem sair do lugar, mesmo que elas tenham uma camada de cupuaçu? Acho que vale a pena.

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